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Escultura do Brasil
A escultura no Brasil acompanhou as correntes estéticas que animaram o desenvolvimento desta arte em outros países do ocidente, especialmente os europeus, de onde vieram as principais influências que fecundaram o solo artístico brasileiro. Ao longo dos últimos 500 anos de sua história, o Brasil testemunhou um florescimento particularmente rico da escultura no período barroco, com um estilo geral unificado, e a partir do século XX, quando predomina a diversidade.
Origens
As primeiras notícias de esculturas no Brasil datam do final do século XVI, quando algumas vilas já se haviam estabelecido no litoral e se iniciava a construção de templos e edifícios públicos. Neste período inicial a maior parte das obras ainda era importada da Europa, especialmente de Portugal, a metrópole colonizadora.
Grande parte da atividade escultórica autóctone se limitava aos trabalhos de talha decorativa em madeira e, em menor grau, em pedra. Um dos primeiros nomes dignos de lembrança no século XVII como entalhador de refinado talento é o Frei Domingos da Conceição, que trabalhou no Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro.
Também se iniciou alguma atividade na estatuária em peças de devoção religiosa, onde a primeira figura a se destacar foi o Frei Agostinho da Piedade, deixando criações de serena beleza e grande sensibilidade, de perfil barroco mas ainda devedoras ao espírito renascentista, num estilo misto que seria comum aos dois primeiros séculos de colonização. Frei Agostinho é considerado o fundador da escultura nacional, dedicando-se ao gênero que conheceria um desenvolvimento extraordinário em terras brasileiras e se constituiria num dos mais típicos distintivos culturais do Brasil até os dias de hoje: a imaginária sacra barroca, que em seus melhores momentos se equipara à grande tradição européia. Outro nome importante da época é o do Frei Agostinho de Jesus, também produzindo obra de grande qualidade em estilo semelhante.
O Barroco
Nos séculos XVII e XVIII, com o avanço dos colonizadores em direção ao interior do país, fundando novas cidades e novos mercados, e com a relativa estabilização da economia levando a um rápido crescimento dos povoados mais antigos no litoral, paralelamente à descoberta de grandes riquezas em ouro e diamantes no território nacional, houve condições para que a arte recebesse maior atenção, e a escultura, em suas variadas manifestações, floresceu de forma notável, e sempre no terreno sacro.
Numa cultura fortemente marcada pela influência da religião, o catolicismo barroco, com seu apelo aos sentidos físicos como instrumentos de transcendência e sua pedagogia de índole emocional e cenográfica, forneceu o pretexto perfeito para que se gastassem elevadas somas em feéricas decorações de templos, conventos e mosteiros, tanto para melhor honrar a glória do Criador como, didaticamente, para dar meios visíveis aos fiéis ignorantes para que pudessem elevar seus pensamentos, através da beleza e da teatralidade das figuras de santos em cenários evocativos, em direção às coisas divinas, e inspirar à piedade, ao arrependimento, ao amor e à devoção.
Com aqueles objetivos, começou a se popularizar uma forma especial de estatuária conhecida pelo nome de estátuas de roca, com membros articulados e vestidos de tecido. Era esculpida apenas parcialmente, nas partes do corpo que ficavam visíveis como a cabeça, mãos e pés. Este gênero nasceu para um uso claramente cenográfico, sendo colocadas em ambientes ou sobre carros decorados construídos para cada ocasião, e assumiam posturas diversas de acordo com o progresso da ação cênica piedosa que se desenvolvia em representações de mistérios sacros ou nas procissões.
A arte missioneira
Neste período, isolados do resto do país por estarem em uma área na época sob domínio espanhol, se formaram ativos centros culturais na região sul por obra dos padres Jesuítas, fundadores de diversos aldeamentos para indígenas, as chamadas Missões. Nestes locais se desenvolveu rica tradição de escultura e talha, ao par do cultivo de outras artes, e criou-se um acervo de obras importantes das quais muitas são de autoria indígena, hoje preservadas em museus e coleções particulares, especialmente no Museu das Missões, dedicado exclusivamente a esta produção de características únicas.
Os centros principais
À parte o foco isolado das Missões no sul, não integrado à esfera portuguesa, e apesar da expansão da civilização e da cultura por novas áreas, os principais centros produtores e consumidores de arte ainda eram os do Nordeste - Salvador, Recife e Olinda - e em menor grau o Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás. É preciso assinalar que a presença de estatuária de origem portuguesa no período colonial foi sempre expressiva, sendo constantemente importada da metrópole, pois era preferida pelos ricos pelo seu melhor acabamento e expressividade, e este grande grupo de obras, ainda visível em inúmeras igrejas brasileiras, foi modelo para a produção mais artesanal da terra.
A produção local cresceu imenso. A maciça maioria das obras que nos chegaram desta fase permanece anônima, e expressiva parcela evidencia ter saído de mãos do povo, sem grande educação no ofício, já que a expansão da demanda por estatuária não foi acompanhada pelo surgimento de escolas oficiais ou sequer havia grande número de mestres ilustres, e o aprendizado do artista-artesão brasileiro se deu muitas vezes pela simples observação e cópia de modelos europeus que encontrava em algum altar importante. Mesmo assim esta produção, ainda um pouco tosca e ingênua se comparada aos protótipos eruditos europeus, se destaca exatamente por compensar suas deficiências formais através de uma criatividade exuberante e por contribuir para a formação de uma sensibilidade tipicamente brasileira. Entre os pouquíssimos autores conhecidos do século XVII estão José Eduardo Garcia, português, e Francisco das Chagas, o Cabra, ambos ativos em Salvador.
Contudo, por volta da metade do século XVIII, com a sedimentação da cultura nacional e a multiplicação de artífices cada vez mais capazes, nota-se um crescente refinamento nas formas e no acabamento das imagens, e logo aparecem imagens de grande expressividade, como uma Nossa Senhora das Mercês paulista, hoje na Casa Paroquial de São Luiz em Piratininga, uma série de pequenos Meninos Jesus baianos, preservados no Museu dos Presépios de São Paulo, a estatuária nos altares da Basílica de Nossa Senhora do Carmo em Recife, e diversas outras. Salvador em especial tornou-se um centro exportador de estatuária para os mais distantes pontos do Brasil, incluindo-se uma interessante produção de miniaturas, sendo encontradas peças com características tipicamente baianas em locais tão afastados entre si como Goiás, Santa Catarina e Maranhão, criando uma escola que pouco deu-se conta do neoclassicismo no século XIX e não conheceu solução de continuidade senão com o advento da industrialização em massa de objetos de devoção em gesso no século XX. O principal nome na escola baiana é o de Manuel Inácio da Costa
A escola mineira
Neste período os grandes centros citados antes consolidam sua posição de dominância, mas ao mesmo tempo aparecem outros que se desenvolveriam de modo igualmente brilhante. Destes sem dúvida o mais significativo seria o das Minas Gerais, que nasceu em função da descoberta de ouro e diamantes na região de Ouro Preto, Diamantina, Sabará e Congonhas do Campo. Nestas cidades e em muitas outras do estado foram erguidos inúmeros templos, já num estilo rococó, célebres por sua decoração extraordinariamente rica e sofisticada, e ali apareceu o primeiro escultor brasileiro de estatura artística realmente elevada, o Aleijadinho, um dos marcos da arte nacional e maior representante da escultura barroca no Brasil.
Escultor, arquiteto e entalhador, Aleijadinho deixou trabalhos em um estilo inconfundível em várias cidades mineiras. Sua maior criação é o ciclo da Paixão de Cristo, com 66 figuras em cedro que reproduzem o caminho do Gólgota, instaladas em capelas ao pé do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo. No adro da igreja outro grupo escultórico, em pedra-sabão, representando 12 profetas, completa este conjunto que é uma das maiores obras-primas da escultura nacional de todos os tempos.
Se por um lado a riqueza extraída das minas favoreceu o florescimento de todas as artes, por outro, aspecto sintomático de uma situação de colônia, e peculiar mas não exclusivo ao caso mineiro, fez com que continuasse e mesmo aumentasse a importação de imagens estrangeiras, consideradas mais perfeitas e desejáveis, e os trabalhos mais destacados que ainda vemos em tantos altares nada têm de brasileiro, embora tenha desempenhado um papel central na determinação do estilo geral. Neste contexto compreende-se o motivo de a criatividade autóctone ter-se direcionado mais à esfera privada, nas inúmeras estatuetas de culto doméstico que ainda sobrevivem em grande número e cuja qualidade supera em muito o mero artesanato. Já para o fim do século são registrados alguns nomes: um certo Mestre de Piranga, Francisco Xavier de Brito e Francisco Vieira Servas
A talha dourada e o mobiliário esculpido
Acompanhando o desenvolvimento da estatuária, a talha dourada também chegou a um alto nível de complexidade e refinamento, e permanece preservada in situ em uma profusão de templos coloniais. Dentre as inúmeras igrejas brasileiras afamadas por sua riquíssima decoração esculpida estão a Igreja de São Francisco, em Salvador, a Capela Dourada e a Basílica de Nossa Senhora do Carmo, em Recife, o Mosteiro de São Bento e o Convento de São Francisco em Olinda, o Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro, e uma série de igrejas de Minas Gerais, especialmente a de Nossa Senhora do Ó em Sabará e a Igreja de São Francisco em Ouro Preto, todas profusamente ornamentados, um patrimônio do mais alto valor que em parte foi tombado pela UNESCO.
Também o mobiliário entalhado se disseminou e atingiu um nível de excelência em cadeiras, mesas, oratórios, arcazes, armários e bancadas, tanto para uso privado e secular como para provimento de conventos e sacristias.
Século XIX
Centros do barroco tardio
Aleijadinho morreu em 1814, e com ele uma era, mas a tradição barroca, em descompasso com o que acontecia na Europa e mesmo no centro do país, perpetuou-se no Brasil até o início do século XX em vilarejos isolados alheios ao movimentos progressistas, e prosseguiu com certa força especialmente na Bahia, mas também no Rio Grande do Sul, Goiás e outros pontos nordestinos. No Rio Grande, no século XIX, foram erguidos alguns templos barrocos belamente decorados com entalhes e estátuas nas cidades de Porto Alegre, a antiga Igreja do Rosário, desaparecida; a antiga Matriz, que teve o mesmo destino, a Igreja de Nossa Senhora das Dores e a de Nossa Senhora da Conceição, ambas já com influência neoclássica, Viamão Igreja da Conceição, um pouco anterior, e Triunfo.
Significativamente, a madeira, material preferido no barroco, vai sendo abandonada pelo mármore e pelo bronze, e a partir de 1850 é introduzida a técnica dos moldes em gesso, iniciando o processo industrial em larga escala de reprodução de estatuária, com sensível queda na qualidade geral. Contudo, centros de produção como o do Vale do Paraíba contribuíram com peças interessantes na técnica do gesso oco, seguindo um estilo neoclássico com alguns traços ainda barrocos. Entre os últimos representantes da longa tradição barroca podem ser citados o baiano João Guilherme da Rocha Barros, ativo até c. 1900, e o paulista José Benedicto da Cruz, ativo com um estilo popular até 1923, anacronismos que não obstante realizaram peças louváveis.
Neoclassicismo e Romantismo
Por volta de 1800, com o esgotamento das minas, o equilíbrio econômico da colônia se altera, e ao mesmo tempo começa a ser notada uma modificação no estilo geral. Os panejamentos agitados das imagens se tranqüilizam e as expressões dramáticas perdem lugar, adequando-se à tendência neoclassicista que penetrava por diversas portas. As grandes cidades do Nordeste entram em declínio e as riquezas afluem para São Paulo, que vinha prosperando com a cultura do café, e para o Rio de Janeiro, agora sede da corte portuguesa.
A chegada da corte em 1808 provocou uma revolução cultural na cidade, que com o tempo foi-se irradiando pelo resto da colônia. A presença de grande quantidade de nobres ilustrados que até então viviam em uma atmosfera completamente diversa e cosmopolita, a abertura dos portos às nações amigas, a liberação da indústria, a criação de uma imprensa, os arquivos, obras de arte e bibliotecas que vieram junto, todos estes fatores causaram um forte impacto na até então pacata e relativamente obscura vida cultural do Rio, que de súbito foi elevada a centro das atenções de um país de dimensões continentais. Foram fundados museus, teatros e casas de ópera, e com a chegada da Missão Francesa em 1816, composta por um grupo de artistas da França, onde o neoclassicismo já estava plenamente estabelecido, foram introduzidas novas tendências e técnicas escultóricas na capital, e a arte secular conheceu grande estímulo.
No âmbito da escultura erudita a produção se concentrou em torno da Escola de Belas Artes, criada nos moldes da academia francesa a partir de um projeto de Joachim Lebreton, instituindo pela primeira vez no país o ensino oficial de escultura. De início foram indicados como professores Auguste-Marie Taunay que não chegou a lecionar, João Joaquim Alão, português, e Marc Ferrez, filho do escultor e gravador Zéphyrin Ferrez e tio do famoso fotógrafo de mesmo nome, que produziu peças seminais para os futuros rumos desta arte no Brasil. Marc Ferrez foi mestre de Honorato Manoel de Lima, Francisco Elídio Pânfiro e Francisco Manuel Chaves Pinheiro.
Mas a evolução da Escola neoclássica não foi em nada tranqüila. A instituição foi atacada em várias frentes e quase foi fechada, e as infindáveis disputas entre os nacionais, aferrados ao conhecido, e os estrangeiros progressistas prejudicaram seriamente a criatividade e a produtividade dos alunos, e até meados do século quase nada de valor apareceu nesta espécie de arte.
Pânfiro sucedeu Ferrez na cátedra, e foi o autor da decoração do Salão Nobre da Escola. Sucedeu-o Chaves Pinheiro, que pelos 33 anos seguintes dominaria a cena escultórica da Escola, já então Academia Imperial. Foi autor prolífico e exímio bronzista, mas sua obra está dispersa e foi pouco estudada até hoje, mas podem ser citados como exemplos de seu estilo clássico, digno mas um tanto convencional, uma Estátua eqüestre de Dom Pedro II, hoje no Museu Histórico Nacional, e O ator João Caetano representando como Oscar na praça Tiradentes do Rio.
Aluno de Chaves Pinheiro foi Cândido Caetano de Almeida Reis, vencedor do Prêmio de Viagem ao Estrangeiro em 1865, estudando na França e sendo influenciado por Puget, um romântico, produzindo obras que não foram bem aceitas na Academia, perdendo sua bolsa e tendo de voltar ao Rio. Mas deixou obras muito expressivas como a Alma penada e Dante ao voltar do exílio.
Outro dos alunos de Chaves Pinheiro foi Rodolfo Bernardelli, este sim uma figura importante, prestigiadíssimo em vida como artista e de atuação controversa como diretor da instituição, já na República. Deixaria obra extensa e de alto nível de linha romântica, como um Santo Estêvão , o Cristo e a mulher adúltera, um Monumento eqüestre ao General Osório e a Morte de Moema
Crise e transição para a modernidade
A Academia formou uma série de alunos hábeis, mas quase todos artisticamente negligenciáveis ou dedicados apenas a trabalhos decorativos secundários, excetuando-se talvez Almeida Reis, contemporâneo de Bernardelli e o único que poderia lhe oferecer alguma concorrência. A proclamação da República assinalou o fim de uma era, e evidenciou que reformas no sistema de ensino eram urgentes, acompanhando as drásticas mudanças sofridas pela sociedade. Um Projecto de Reforma no Ensino das Artes Plásticas foi apresentado em 1890 ao Ministro do Interior por Décio Villares, Montenegro Cordeiro e Aurélio de Figueiredo, atacando a Academia como instituição caduca e retrógrada, cerceadora das liberdades simbolizadas pelo advento da democracia, e pleiteava a descentralização do ensino com a criação de aulas de arte em todas as escolas públicas, a fim de desde cedo criar um gosto pelas artes entre a população em geral. Também aconselhava a dissolução da Academia e sua substituição por um Museu Nacional. Contudo a proposta era utópica para aquele momento histórico. Suas idéias só poderiam começar a ser concretizadas depois da estabilização no novo regime, e neste momento o que se observou na escultura foi um esvaziamento. Gonzaga Duque, escrevendo sobre o Salão de 1905, ironizava o monopólio exercido por Bernardelli e os elevados gastos institucionais com o ensino da escultura e com o único pensionista, Corrêa Lima, e indagava onde estariam os frutos de tal esforço, pela escassez de obras apresentadas nesta técnica.
Jacob Klintowitz assinala que um dos fatores cruciais para a falência do antigo sistema de ensino foi a mudança na abordagem da arte e da criatividade. Diz ele que a criação passou a valorizar e expressar o universo do indivíduo, mudando o seu ponto de partida: "O artista não retira o excesso da natureza e não impõe a ela o seu quadro completo de valores. Ele aprende no ato de fazer. É através do exercício do trabalho que o artista descobre o que ele é, coloca em jogo novas forças anímicas e psíquicas e descobre sua verdadeira identidade", num flagrante contraste com o modo antigo de ver as coisas, quando a arte era coisa pública e servia a uma ideologia geral e dominante, cabendo a cada criador encontrar os meios de se adequar às demandas da sociedade. A estatuária oficial que seria produzida nas décadas seguintes ainda seguiria estes padrões, sob influência da filosofia Positivista que generalizou-se no início da República.
Século XX
Ecletismo e Historicismo
Fenômeno característico da busca de novos caminhos que caracterizou o fim do século XIX foi o surgimento de uma tendência historicista na arquitetura e decoração de fachadas, com a utilização de uma linguagem mista ou eclética que resgatava elementos de estilos históricos como o greco-romano, o gótico, o barroco e o românico, juntamente com influências neoclássicas e outras como a nascente Art Nouveau no início do século XX. Ligada às inovações tecnológicas e mudanças mundiais surgidas na esfera da economia e das comunicações, esta tendência encontrou amplo espaço para manifestação no Brasil, desejoso que estava por afirmar-se econômica e culturalmente junto às grandes nações capitalistas do mundo ocidental. A arquitetura desenvolvia novas técnicas e a estatuária de fachada incorporava procedimentos industriais baratos e facilitadores como a técnica de moldes em cimento e estruturas de ferro ou aço
Escultura sacra no início do século
No campo da estatuária destinada à decoração de igrejas e ao culto observou-se igualmente um entrecruzamento de tendências retrospectivas e progressistas. Seu uso, contudo, orientado pelas prescrições conservadoras da religião, impediu o desenvolvimento de radicalismos estéticos, e predominaram elementos neoclássicos mais ou menos modernizados. O aperfeiçoamento e difusão da técnica do gesso em molde, presente no Brasil desde meados do século anterior, permitiu a proliferação de incontáveis peças reproduzidas em escala industrial e com baixo custo.
Se bem que isso tenha de certa forma popularizado a escultura, o público consumidor, das classes mais baixas e sem maior educação, pouca atenção podia dar às qualidades artísticas em si ou às tendências das vanguardas eruditas, e buscava imagens cuja expressão espelhasse primariamente sua devoção. Com isso a qualidade geral da produção sacra baixou drasticamente, embora em algumas oficinas os artífices criadores dos moldes tivessem talento acima da média e deixassem obras de apelo estético e expressividade incomuns. Comunidades religiosas com recursos podiam, contudo, encomendar obras em mármore, pedra ou madeira a escultores de maior reputação, e se encontram finos exemplares em um grande número de templos levantados nas primeiras décadas do século XX.
O Rio Grande do Sul, contando com a presença de muitos imigrantes europeus com sólida formação em arte em sua terra natal, pôde testemunhar um florescimento interessante na estatuária sacra. A família Zambelli foi um exemplo, mantendo até fins do século um grande atelier que proveu peças para grande parte do nordeste do estado e mesmo a capital. Outros escultores sacros de mérito foram Pietro Stangherlin, também ativo no nordeste do estado, e André Arjonas, que deixou uma série de obras de elegantes traços em Porto Alegre e no interior.
Também é digno de nota, com o surgimento de uma burguesia de posses, o grande desenvolvimento da arte tumular, que constituiu talvez o maior mercado consumidor de escultura nesta época. Em São Paulo é célebre, por exemplo, por sua grande quantidade de estatuária de alto nível e com um imaginário simbólico ilustrativo da ideologia burguesa, o Cemitério da Consolação, com criações de Galileo Emendabili, Luigi Brizzolara, Alfredo Oliani, Victor Brecheret e Nicola Muniz. Algumas estátuas tumulares apresentam características ousadas, mas consideradas escandalosas para o fim a que se destinavam, com a presença de nus, símbolos pagãos e figuras com traços sensuais. Boa parte desta rica produção ainda está à espera de maior estudo e se encontra atualmente em estado de abandono.
Art Nouveau e Art Déco
O nascimento da nova sensibilidade apontada por Klintowitz não passou despercebido pelos que viviam as mudanças naquela época. Escrevendo em 1927, Angyone Costa deixa claro que se atravessava um momento de transição, onde nada mais havia de definido ou estável: "O homem de agora assiste ao desenvolvimento de sua própria tragedia intima sem acertar os caminhos que o levem ás claras fontes de belleza O momento é de confusão, de busca imprecisa, indecisão de vontade e de valores.O homem de agora não pensa como pensava o homem de um século atrás". Alguns representantes desta fase, citados por Costa, são Modestino Kanto, Magalhães Corrêa, Cunha Mello, Francisco de Andrade, Armando Braga, Zacco Paraná, Celso Antônio Silveira de Menezes e sobretudo Victor Brecheret, de longe o mais importante deles, lembrado por uma obra original que seria uma das primeiras e maiores manifestações do primeiro Modernismo no Brasil. Mas não foram os únicos, e merecem crédito por obras apreciáveis também Décio Villares, Ettore Ximenes, Amadeu Zani, Elio de Giusto, Adolfo Rollo e Francisco Leopoldo e Silva, trabalhando em um estilo influenciado pela Art Nouveau, que representou as últimas manifestações da herança acadêmica.
Bernardelli morreu em 1931 e no mesmo ano a venerada - e por tantos odiada - Escola Nacional de Belas Artes a sucessora republicana da Academia Imperial foi incorporada à Universidade do Rio de Janeiro, deixando de pontificar no cenário nacional, e abriu-se espaço para uma revolução na escultura brasileira. Estava-se em plena Art Déco e os estatuários voltam a se multiplicar, mostrando criações de qualidade. À frente de todos os seus contemporâneos brilhava o mesmo Victor Brecheret, talvez o maior ícone desta corrente e autor de uma obra de refinado equilíbrio formal. Também foi autor do grandioso Monumento às Bandeiras, em São Paulo, embora o melhor de sua obra esteja nas peças de menores dimensões. Sua enorme capacidade de síntese o levaria, em sua fase derradeira, para a abstração. Outros nomes seguiram a frutífera escola Déco, como Roque de Mingo, Alfredo Ceschiatti, João Batista Ferri e Lelio Coluccini, todos artistas de primeira linha. Nesta seqüência de Bernardelli ao primeiro Brecheret, apesar do sensível avanço, não se pode dizer que tenha havido quaisquer rupturas formais abruptas, mas sim uma transformação gradual e natural, de caráter moderado e em certo sentido conservador.
Modernismo
Com uma proposta libertária e ousada, absolutamente chocante para quaisquer padrões burgueses, havia acontecido em 1922 a Semana de Arte Moderna em São Paulo, embora tenha exercido um impacto imediato apenas local. Brecheret foi um dos dois escultores a participar, mas este foi o seu maior contato com a vertente mais radical do Modernismo, influenciada pelo Surrealismo, o Cubismo e o Expressionismo europeus. Nesta seara trabalhou o precursor Quirino da Silva, que em 1925 criou um busto de Dom Quixote de linhas geometrizadas, e depois Lasar Segall, Antônio Gomide, Elisabeth Nobiling, Julio Guerra e Ernesto de Fiori, com peças de feições apenas esboçadas e tratamento rústico de superfícies, explorando a materialidade, o que emprestava um aspecto de inacabado às composições e prepararia o caminho para o florescimento da escultura abstrata a partir da década de 50.
O Modernismo significou a abertura de um amplo leque de novas possibilidades em termos de forma, técnica, temática e expressividade. Desde então as correntes e estilos se multiplicaram e já não se pode acompanhar uma linha central unificada. O crescente intercâmbio cultural com outros países inundou o Brasil de novas informações e novos conceitos que foram prontamente assimilados e adaptados segundo as características no ambiente artístico nacional.
De todas as inovações nesta primeira metade do século, talvez a mais marcante tenha sido o desenvolvimento da escultura abstrata, introduzida formalmente no país com uma obra de Jacques Lipchitz instalada na frente do prédio do antigo Ministério da Educação e Saúde, no Rio, uma construção de Le Corbusier de 1936. Mas a tendência não era completamente nova e já vinha se anunciando no trabalho de artistas como Victor Brecheret, e se desenvolveria com força depois da década de 50, com a criação das Bienais de São Paulo, onde em sua primeira edição, em 1951, foi premiado o escultor Max Bill. Este evento pode ser considerado o marco inicial da contemporaneidade na arte brasileira.
A escultura brasileira contemporânea
Os anos 50 são marcados pela acelerada expansão do abstracionismo, tanto de linhas geométricas como informais. O Concretismo, um estilo de abstração geométrica, se torna a moda do momento, sendo louvado por críticos e artistas e dominando os salões e galerias. Paralelamente assistiu-se ao desenvolvimento de uma abstração informal, de tendência lírica ou onírica, e logo se notou também um grupo de artistas que, não desejando abandonar de todo a figuração, passaram a incorporar estilizações abstratizantes a uma estrutura ainda figurativa, seguindo o exemplo de mestres internacionais como Picasso, Henry Moore e Alberto Giacometti.
Em termos de arte pública a construção de Brasília na década de 1950, um ambicioso projeto arquitetônico, urbanístico e artístico, centralizou as atenções nacionais e abriu um mercado para a produção de uma escultura monumental, sendo o coroamento de uma onda de renovação arquitetônica em larga escala que vinha acontecendo desde o Estado Novo e se disseminou pelos grandes centros urbanos do país.
Nos anos 60, acompanhando o surgimento da dita Nova Figuração na pintura, frutificou entre os escultores uma tendência irônica derivada da arte Pop norteamericana, e outra que resgatava aspectos do expressionismo, refletindo o clima tenso criado pelo regime militar imposto em 1964. Entre estes anos e a década de 1980 o Brasil viu ainda aparecerem obras conceituais, minimalistas, poveras, land art, instalações, móbiles e obras que recuperavam elementos da arte popular. Tantas tendências operando num mesmo momento acabaram por se entrecruzar, formando uma variedade inextrincável de subtipos e gêneros mistos de arte que em maior ou menor grau fundiam, transformavam e aplicavam princípios, técnicas, materiais e recursos conceituais da escultura. Todas estas linhas de trabalho ainda estão presentes na escultura brasileira mais recente. Ao contrário de se esgotarem ou envelhecerem, sua fertilização mútua tem propiciado o aparecimento de soluções sempre novas que se adaptam à evolução da arte e da sociedade, e muitos artistas experimentaram mais de uma delas ao longo de sua trajetória, tornando impossível uma categorização excludente. Contudo pode-se citar alguns nomes que se destacaram em especial em uma ou outra forma de expressão.
Assim, na abstração geométrica, alinhados a princípios concretistas, neoconcretistas e minimalistas, foram ou são de importância Bruno Giorgi que também na figuração deixou trabalhos notáveis, Ascânio MMM, Franz Weissmann, Amílcar de Castro, Lígia Clark, Emanoel Araújo, Haroldo Barroso, Yutaka Toyota, Sérgio de Camargo, Sérvulo Esmeraldo e Geraldo Jürgensen. Nitidamente conceituais são Willys de Castro e Waltércio Caldas, e a obra mista de escultura e pintura de Pedro Escosteguy, um dos pioneiros do conceitualismo politicamente engajado no Brasil.
Na abstração de linha informal estão Frans Krajcberg, Caciporé Torres, Megumi Yuasa, Carlos Fajardo, Mário Cravo, Hsiao Hoara, Iole de Freitas e Akinori Nakatani.
Produziram obras influenciadas pela arte Pop Gustavo Nakle, Maria Helena Chartuni e Rubens Gerchman; a figuração tinta de expressionismo foi cultivada por Francisco Stockinger, Carybé e Domenico Calabrone, e representando o realismo mágico ou o surrealismo estão Francisco Brennand e Fredy Keller.
Continuando o figurativismo, em sínteses abstratizantes mais ou menos profundas, mas numa atmosfera classicista, trabalharam Pola Rezende, Aldemir Martins, Abelardo da Hora, Sonia Ebling, Vasco Prado, Elisabeth Nobiling, Felícia Leirner que depois criou obra importante na abstração informal, Gaetano Fraccaroli, Moussia Pinto Alves e João Bez Batti.
A geração mais recente de escultores tem utilizado à larga e em completa liberdade recursos e materiais novos oferecidos pela indústria e tecnologia, como o computador para projetar suas obras e as resinas, borrachas e plásticos para realizá-las, e tem incorporado, conforme sua necessidade expressiva, além de todo o enorme acervo de técnicas e formas herdadas da cultura anterior, procedimentos típicos do Pós-modernismo como citacionismo e a releitura. Dentre eles se alinham Sérgio Romagnolo, Sandra Cinto, Mauro Fuke, Carmela Gross, Frida Baranek e uma multidão de outros talentos emergentes.
Escultura popular
A escultura no Brasil não se limitou nem se limita às manifestações da grande arte oficial ou erudita. Desde os primeiros tempos existiram variadas expressões nascidas da gente do povo, inculta, longe das riquezas que patrocinaram a construção das grandes igrejas decoradas com luxo e dos prédios estatais grandiosos com suas estátuas monumentais. Já vimos que grande parte da estatuária barroca e neoclássica que chegou aos dias de hoje pertence a esta categoria, mas outros tipos escultura também são tradicionais na herança cultural popular brasileira: a carranca e o ex-voto.
As carrancas são grandes cabeças de animais, às vezes seres híbridos de animais e homens, colocadas na proa de barcos que trafegam há séculos os rios do Nordeste, ou são algumas vezes instaladas na entrada das casas populares. Em ambos os casos sua função é mágica e propiciatória, se destinam a afastar as forças maléficas e atrair as benfazejas. Sua existência é atestada desde a antigüidade em várias culturas do mundo, sempre com as mesmas funções e características. Mostravam sempre expressões furiosas, para que os imaginados monstros existentes nos ermos assim fossem afugentados. No caso do vale do rio São Francisco, onde este gênero foi mais comum, se julgava que sob seu leito vivia um grande monstro em forma de serpente, chamado de Minhocão, e os bancos de areia seriam habitados pelo Cão d'Água, e as carrancas com fauces escancaradas e dentes enormes deveriam ter o poder de intimidá-los. Nenhum barco ali navegava sem uma carranca protetora, e esta tradição só começou a desaparecer com a chegada dos navios a vapor e com a fundação de uma ermida às margens do rio dedicada ao Senhor Bom Jesus da Lapa, sendo que o último artesão a produzir carrancas ainda dentro do espírito tradicional foi Francisco Bicuíba de Lafuente Guarany, ativo até cerca de 1972. Atualmente o gênero conhece um renascimento, mas agora desprovido de conotações místicas e inserido no mercado de arte e decoração.
A outra categoria é o ex-voto, igualmente de origem arcaica, e presente em todos os pontos do Brasil onde existe alguma devoção religiosa. São as esculturas de partes do corpo, ou representando algum objeto simbólico, depositadas em templos agradecendo alguma graça alcançada ou a cura daquele membro representado. Existem em todos os tamanhos e graus de refinamento, em cera, madeira ou outros materiais, e não são raros os exemplares esculpidos com perícia, sendo os mais antigos ou especialmente criativos conservados em muitos museus de arte. Grande número de igrejas preserva vastas coleções de ex-votos.
Numa outra esfera estão os objetos de classificação difícil, transitando entre a arte e o artesanato, encontrados em todo o território nacional, mas especialmente no Nordeste, que é riquíssimo em diversos tipos de escultura e estatuária popular. Desde os pequenos grupos em terracota representando os ofícios urbanos, os bonecões usados nos blocos carnavalescos do Nordeste, as figuras de animais, até grandes imagens sacras em madeira ou cimento, a multiplicidade de expressões torna difícil elencarmos todas. Mas não é possível passarmos sem a menção a alguns artífices que pela originalidade, força e beleza de suas criações deixaram o anonimato, que impera neste campo, e conquistaram reconhecimento não apenas regional, mas nacional e internacional, como Antônio Poteiro, Mestre Vitalino, Isabel, Severina de Tracunhaém, Nhô Caboclo, Mestre Expedito, GTO e tantos outros.
FONTE WIKIPÉDIA