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Barroco no Brasil
O Barroco no Brasil foi introduzido no início do século XVII pelos missionários católicos, especialmente jesuítas, que trouxeram o novo estilo como instrumento de doutrinação cristã. Ao longo do período colonial havia uma íntima associação entre a Igreja e o Estado, mas como na colônia não havia uma corte e tampouco as elites se preocuparam em construir palácios, deriva que a vasta maioria do legado barroco brasileiro esteja na arte sacra: estatuária, pintura e obra de talha para decoração de igrejas ou para culto privado.
Caracterizado como um estilo dinâmico, ornamental, dramático, cultivando os contrastes e a expressão emocional, o Barroco encontrou no Brasil um terreno receptivo para um rico florescimento. O poema épico Prosopopéia (1601), de Bento Teixeira, é um dos seus marcos iniciais. Atingiu o seu apogeu na literatura com o poeta Gregório de Matos e com o orador sacro Padre Antônio Vieira, e nas artes plásticas seus maiores expoentes foram Aleijadinho e Mestre Ataíde. No campo da arquitetura esta escola se enraizou profundamente no Nordeste e em Minas Gerais, mas deixou grandes e numerosos exemplos também por quase todo o restante do país, do Rio Grande do Sul ao Pará. Quanto à música, por relatos literários sabe-se que foi também pródiga, mas ao contrário das outras artes, quase nada se salvou. Com o desenvolvimento do Neoclassicismo a partir das primeiras décadas do século XIX, a tradição barroca caiu progressivamente em desuso, mas traços dela seriam encontrados em diversas modalidades de arte até as primeiras décadas do século XX.
Grande número de edificações e peças individuais de arte barroca já foram protegidas pelo governo brasileiro em suas várias instâncias, através de tombamento ou outros processos, atestando o reconhecimento oficial da importância do Barroco para a história da cultura brasileira. Centros históricos barrocos como os de Ouro Preto e Salvador, e conjuntos artísticos como o do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, receberam o estatuto de Patrimônio da Humanidade pela chancela da Unesco, e essa herança preciosa é um dos grandes atrativos do turismo cultural no país, ao mesmo tempo em que se torna um ícone identificador do Brasil, tanto para naturais da terra como para os estrangeiros.
Apesar de sua importância, boa parte da arquitetura e das obras de arte barrocas do Brasil estão em mau estado de conservação e exigem restauro urgente e outras medidas conservadoras, verificando-se frequentemente perdas ou degradação de exemplares valiosíssimos em todas as modalidades artísticas; o país ainda tem muito a fazer para preservar parte tão importante de sua história, tradição e cultura. Por outro lado, parece crescer a conscientização da população em geral sobre a necessidade de proteger um patrimônio que é de todos e que pode reverter em benefício de todos, um benefício até econômico, se bem manejado e conservado. Museus nacionais a cada dia se esforçam por aprimorar suas técnicas e procedimentos, a bibliografia se avoluma, o governo têm investido bastante nesta área e até mesmo o bom mercado que a arte barroca nacional sempre encontra ajuda na sua valorização como peças merecedoras de atenção e cuidado, forças atuantes que oferecem perspectivas promissoras para sua sobrevivência para as gerações futuras.
Características e contexto
O modelo europeu e seu abrasileiramento
O Barroco foi um estilo de reação contra o classicismo do Renascimento, cujas bases giravam em torno da simetria, da proporcionalidade, da economia, da racionalidade e do equilíbrio formal. Assim, a estética barroca primou pela assimetria, pelo excesso, pelo expressivo e pela irregularidade, tanto que o próprio termo "barroco", que nomeou o estilo, designava uma pérola de formato bizarro e irregular. Além de uma tendência estética, esses traços constituíram uma verdadeira forma de vida e deram o tom a toda a cultura do período, uma cultura que enfatizava o contraste, o conflito, o dinâmico, o dramático, o grandiloquente, a dissolução dos limites, junto com um gosto acentuado pela opulência de formas e materiais, tornando-se um veículo perfeito para a Igreja Católica da Contra-Reforma e as monarquias absolutistas em ascensão expressarem visivelmente seus ideais de glória e pompa. As estruturas monumentais erguidas durante o Barroco, como os palácios e os grandes teatros e igrejas, buscavam criar um impacto de natureza espetacular e exuberante, propondo uma integração entre as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa atmosfera catártica, apoteótica, envolvente e apaixonada. Essa estética teve grande aceitação na Península Ibérica, em especial em Portugal, cuja cultura, além de essencialmente católica e monárquica, estava impregnada de milenarismo e do misticismo herdado dos árabes e judeus, favorecendo uma religiosidade caracterizada pela intensidade emocional. E de Portugal o movimento passou à sua colônia na América, onde o contexto cultural dos povos indígenas, marcado pelo ritualismo e festividade, forneceu um pano de fundo receptivo.
O Barroco apareceu no Brasil quando já se haviam passado cerca de cem anos de presença colonizadora no território. A população já se multiplicava nas primeiras vilas e alguma cultura autóctone já lançava raízes. O Barroco não foi, assim, o veículo inaugural da cultura brasileira; o Maneirismo cumpriu o papel de iniciador, mas rapidamente o Barroco o sucedeu, num período em que os residentes ainda lutavam por estabelecer uma infraestrutura essencial - contra uma natureza ainda selvagem e povos indígenas nem sempre amigáveis - até onde permitisse sua condição de colônia pesadamente explorada pela metrópole. O território conquistado se expandia em passos largos para o interior do continente, a população de origem lusa ainda mal enraizada no litoral estava em constante estado de alerta contra os ataques de índios pelo interior e piratas por mar, e nesta sociedade em trabalhos de fundação se instaurou a escravatura como base da força produtiva.
Nasceu o Barroco, pois, num terreno de luta e conquista, mas não menos de deslumbramento diante da paisagem magnífica, sentimento que foi declarado pelos colonizadores desde o início, como se percebe já na carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel relatando o descobrimento da nova terra. Florescendo nos longos séculos de construção de um novo e imenso país, e sendo uma corrente estética e espiritual cuja essência e vida está no contraste, no drama, no excesso, talvez mesmo por isso pôde espelhar a magnitude continental da empreitada colonizadora deixando um conjunto de obras-primas igualmente grandioso. O Barroco, então, confunde-se com, e dá forma a, uma larga porção da identidade e do passado nacionais. Não por acaso Affonso Romano de Sant'Anna o chamou de "a alma do Brasil". Significativa parte desta herança artística hoje é Patrimônio da Humanidade.
O Barroco no Brasil foi formado por uma complexa teia de influências européias e adaptações locais, embora em geral coloridas pela interpretação portuguesa do estilo. É preciso lembrar que o contexto econômico em que o Barroco se desenvolveu na colônia era completamente diverso daquele que lhe dava origem na Europa. Aqui o ambiente era de pobreza e escassez, com tudo ainda "por fazer". Por isso o Barroco brasileiro, apesar de todo ouro nas igrejas nacionais, já foi acusado de pobreza e incompetência quando comparado com o europeu, de caráter erudito, cortesão, sofisticado, muito mais rico e sobretudo branco, pois grande parte da produção plástica local tem uma técnica rudimentar, criada por artesãos escravos ou mulatos com pouco estudo. Mas essa feição mestiça, tantas vezes definida por sua ingenuidade naïf, é um dos elementos que lhe empresta originalidade e tipicidade. Uma interessante exceção a esta regra geral é constituída por um proporcionalmente pequeno acervo de obras realizadas ou exclusivamente por índios, ou em colaboração com padres catequistas, fenômeno ocorrido no âmbito das Reduções jesuíticas do sul e em casos pontuais no Nordeste.
ambém é preciso assinalar que o fato de o Barroco ter-se enraizado no Brasil com certo atraso em relação à Europa, um descompasso que se perpetuou por toda sua trajetória, por vezes ajudou a mesclar, de forma imprevista, elementos estilísticos que se desenvolviam localmente com outros externos mais atualizados que estavam em constante importação. Os religiosos ativos no país, muitos deles literatos, arquitetos, pintores e escultores, e oriundos de diversos países, contribuíram para esta complexidade trazendo sua variada formação, que receberam em países como Espanha, Itália e França, além do próprio Portugal. O contato com o oriente, via Portugal e as companhias navegadoras de comércio, também deixou sua marca, visível nas chinoiseries que se encontram ocasionalmente nas decorações, em pinturas e nas estatuetas em marfim
Neste cadinho de determinantes diversificados encontram-se até elementos de estilos já obsoletos como o gótico na obra de mestres ativos até no início do século XIX, como o Aleijadinho. É do resultado de todos estes entrecruzamentos de influências que nasceu o original e riquíssimo Barroco que hoje se vê espalhado em praticamente todo o litoral do país, desde o extremo sul, no Rio Grande do Sul, até o norte, tocando o Pará. Para dentro, o estilo derramou-se por São Paulo e Minas Gerais, onde se exprimiu com uma elegância característica, e alcançou o Centro-Oeste, deixando monumentos em Goiás
No início do século XVIII o Barroco brasileiro conseguiu formular uma face relativamente unificada, sendo adotado sem grandes variações nas diversas regiões. A partir de 1760 observou-se a penetração da influência francesa, originando uma derivação mais elegante e leve, chamada Rococó, que floresceu mais expressiva nas igrejas de Minas Gerais. A esta altura o Barroco já estava perfeitamente aclimatado ao contexto nacional, tendo dado inumeráveis frutos anteriores de alto valor, e apareceram, justamente em Minas Gerais - um dos maiores pólos culturais e econômicos do Brasil daquela época - as duas figuras célebres que o levaram a uma culminação, e que iluminaram também o seu fim como corrente estética dominante: Aleijadinho na arquitetura e na escultura, e na pintura Mestre Ataíde. Eles epitomizam uma arte que havia conseguido amadurecer e se adaptar ao ambiente de um país tropical e dependente da Metrópole, ligando-se aos recursos e valores regionais e constituindo um dos primeiros grandes momentos de originalidade nativa, de brasilidade genuína. Mas o chamado "Barroco mineiro" mais típico, que eles representam tão bem, para muitos estudiosos já não é mais propriamente Barroco, e sim Rococó, o que reflete as dúvidas ainda existentes entre a crítica sobre se o Rococó é um estilo independente ou se representa apenas a fase final do Barroco. Ao longo deste artigo ambos serão tratados como uma unidade.
De qualquer maneira, o grande ciclo artístico de onde aqueles artistas surgiram foi logo depois abruptamente interrompido com a imposição oficial da novidade neoclássica, a partir da chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808 e da atividade da Missão Artística Francesa. A partir de então, perdendo o favorecimento oficial, o Barroco iria minguar até extinguir-se quase de todo. Mas é prova do vigor com que frutificou no país o fato de que seus ecos seriam ouvidos, em centros provincianos especialmente, até as primeiras décadas do século XX. De fato, vários autores já afirmaram que o Barroco continua muito vivo na cultura nacional, sendo constantemente reinvocado e reinventado.
O papel da Igreja Católica
Na Europa, a Igreja Católica foi, ao lado das cortes, a maior mecenas de arte neste período. Na imensa colônia do Brasil não havia corte, a administração local era confusa e morosa, assim um vasto espaço permanecia vago para a ação da Igreja e seus batalhões de intrépidos, capazes e empreendedores missionários, que administravam além dos ofícios divinos uma série de serviços civis como os registros de nascimento e óbito, estavam na vanguarda da conquista do interior do território servindo como pacificadores dos povos indígenas e fundando novas povoações, organizavam boa parte do espaço urbano no litoral e dominavam o ensino e a assistência social mantendo muitos colégios e orfanatos, hospitais e asilos. Construindo grandes templos decorados com luxo, encomendando peças musicais para o culto e dinamizando imensamente o ambiente cultural como um todo, e é claro ditando as regras na temática e na maneira de representação dos personagens do Cristianismo, a Igreja centralizou a arte colonial brasileira, com rara expressão profana notável. No Brasil, então, quase toda arte barroca é arte religiosa. A profusão de igrejas e escassez de palácios o prova. Costa faz lembrar ainda que o templo católico não era apenas um lugar de culto, mas era o mais importante espaço de confraternização do povo, um centro de transmissão de valores sociais básicos e amiúde o único local seguro na muitas vezes turbulenta vida da colônia. Gradativamente houve um deslocamento neste equilíbrio em direção a uma laicização, mas não chegou a se completar no período de vigência do Barroco. As instituições leigas começaram a ter um peso maior por volta do século XVIII, com a multiplicação de demandas e instâncias administrativas na colônia que se desenvolvia, mas não chegaram a constituir um grande mercado para os artistas, não houve tempo. A administração civil ganhou força com a chegada da corte portuguesa em 1808, que transformou o perfil institucional do território, mas impediu uma continuidade do Barroco pelo seu apoio declarado ao Neoclassicismo
Assim como em outras partes do mundo onde existiu, o Barroco foi também no Brasil um estilo movido em boa parte pela inspiração religiosa, mas ao mesmo tempo de enorme ênfase na sensorialidade e na riqueza dos materiais e formas, num acordo tácito e ambíguo entre glória espiritual e prazer dos sentidos. Este pacto, quando as condições permitiram, criou algumas obras de arte de enorme complexidade formal, que nos fazem admirar a perícia do artesão e a inventividade do projetista - amiúde anônimos e de extrato popular. Basta uma entrada num dos templos principais do Barroco brasileiro para os olhos de pronto se perderem numa explosão de formas e cores, onde as imagens dos santos são emolduradas por resplendores, cariátides, anjos, guirlandas, colunas e entalhes em volume tal que em alguns casos não deixam um palmo quadrado de espaço à vista sem intervenção decorativa, com ouro a cobrir paredes e altares. Como disse Germain Bazin, "para o homem deste tempo, tudo é espetáculo".
Entenda-se essa prodigalidade decorativa na perspectiva da época, quando o religioso educava o povo em direção à apreciação das virtudes abstratas buscando seduzí-lo antes pelos sentidos corpóreos, especialmente através da beleza das formas. Mas tanta riqueza também era um tributo devido a Deus, por Sua própria glória. Apesar da denúncia protestante do excessivo luxo dos templos católicos, e da recomendação de austeridade pelo Concílio de Trento, o Catolicismo na prática ignorou as restrições, pois compreendia que "a arte pode seduzir a alma, perturbá-la e encantá-la nas profundezas não percebidas pela razão; que isso se faça em benefício da fé"'.
Esse cenário luxuriante era parte da própria essência da catequese católica durante o Barroco, então largamente influenciada pelos preceitos dos Jesuítas, os mais ativos paladinos da Contra-Reforma. A retórica era base para todo o ensino, e durante o Barroco ela adquiriu um forte sentido cenográfico e declamatório, expressando-se cheia de hipérboles e outras figuras de linguagem, num discurso de largo vôo e minuciosa argumentação, às vezes excessiva e rocambolesca para o gosto moderno. Tal característica se traduziu plasticamente na extrema complexidade da obra de talha e na agitada e convoluta movimentação das formas estatuárias e arquiteturais das artes barrocas em todos os países onde o estilo prosperou, pois era a expressão visível do prolixo espírito da época, e que no Brasil se manifestou do mesmo modo, como não poderia deixar de fazê-lo.
Além da beleza das formas e da riqueza dos materiais, durante o Barroco o Catolicismo se valeu enfaticamente do aspecto emocional do culto. O amor, a devoção e a compaixão eram visualmente estimulados pela representação dos momentos mais dramáticos da história sagrada, e assim abundam os Cristos açoitados, as Virgens com o coração trespassado de facas, os crucifixos sanguinolentos, e as patéticas imagens de roca, verdadeiros marionetes articulados, com cabelos, dentes e roupas reais, que se levavam em procissões solenes e feéricas onde não faltavam as lágrimas e os pecados eram confessados em alta voz. Mas essa mesma devoção, que tantas vezes adorou o trágico, plasmou também inúmeras cenas de êxtase e visões celestes, Madonnas de graça ingênua e juvenil e encanto perene, e doces Meninos Jesus, cujo apelo ao coração simples do povo era imediato e sumamente efetivo. Novamente Bazin captou a essência do processo dizendo que "a religião foi o grande princípio de unidade no Brasil. Ela impôs às diversas raças aqui misturadas, trazendo cada uma um universo psíquico diferente, um mundo de representações mentais básico, que facilmente se superpôs ao mundo pagão, no caso dos índios e dos negros, através da hagiografia, tão adequada para abrir caminho ao cristianismo aos oriundos do politeísmo".
Arquitetura
Os primeiros edifícios sacros de algum vulto do Brasil foram erguidos a partir da segunda metade do século XVI, quando algumas vilas já dispunham de população que o justificasse. Foram os casos de Olinda e Salvador. As mais simples empregaram a técnica do pau-a-pique, sendo cobertas com folhas de palmeira, mas desde logo os jesuítas se preocuparam com o aspecto da durabilidade e solidez dos edifícios, preferindo sempre que possível edificar em alvenaria, embora muitas vezes, por circunstâncias várias, fossem obrigados a usar a taipa de pilão ou o adobe. As plantas buscavam antes de tudo a funcionalidade, compondo basicamente um quadrilátero sem divisão em naves e sem capelas laterais, com uma fachada elementar que implantava um frontão triangular sobre uma base retangular, e pode-se dizer que não havia, nesse período inaugural, maior preocupação com ornamentos. Este estilo, cuja austeridade remetia aos edifícios clássicos, conheceu-se pelo nome de "arquitetura chã. Em 1577 chegou a Salvador o frei e arquiteto Francisco Dias, com a missão declarada de introduzir melhoramentos técnicos e um refinamento estético nas igrejas da colônia. Trazia a influência de Vignola, cujo estilo caíra no agrado da corte portuguesa, e fora o autor do primeiro templo barroco na Europa, a Igreja de Jesus, em Roma, que se tornou imediatamente um modelo para muitas outras igrejas jesuítas pelo mundo. No Brasil o modelo foi adaptado, prescindindo da cúpula e do transepto, mantendo o esquema da nave única, mas por outro lado se favoreceram as torres.
Apesar das melhorias, até meados do século XVII os edifícios jesuítas, concentrados no nordeste, se mantiveram externamente nos tradicionais contornos de grande simplicidade, no que influenciaram outras ordens religiosas, reservando para os interiores o luxo que foi possível acrescentar, em altares entalhados, pinturas e estatuária. Entretanto, se os jesuítas foram bastante fiéis ao modelo italiano original, os franciscanos se permitiram introduzir variações nas fachadas, que podiam ser precedidas de um alpendre ou incluir uma galilé, enquanto que o campanário se deslocava para trás. No interior, a capela-mor franciscana tendia a ser menos profunda do que a jesuítica, e a ausência de naves laterais podia ser compensada por dois deambulatórios longitudinais estreitos. Nesse modelo é a Igreja de Santo Antônio em Cairu, considerada a primeira a exibir traços claramente barrocos. Seu projetista, o frei Daniel de São Francisco, criou a fachada num esquema de triângulo escalonado, com volutas fantasiosas no frontão e nas laterais; foi uma completa novidade, sem paralelos mesmo na Europa. Mas é de assinalar que, se por um lado as ornamentações de fachada e interior se tornaram cada vez mais suntuosas e movimentadas, tipificando o Barroco, as estruturas dos edifícios, ao longo de toda a trajetória do Barroco no país, pouco se afastaram do que determinava o estilo chão.
Com a dominação holandesa no nordeste muitas das edificações católicas foram destruídas, e na segunda metade do século XVII, após a explusão dos invasores, o esforço principal se concentrou na restauração e reforma das estruturas pré-existentes, com relativamente poucas fundações novas. A esta altura o Barroco já era o estilo dominante. Mas recebia outras influências, como a de Borromini, emprestando mais movimento às fachadas com a adição de aberturas em arco, gradis, relevos e óculos. Nos interiores, a decoração também ganhava em riqueza, mas os esquemas eram algo estáticos, organizados em áreas compartimentalizadas, os chamados "caixotões" ou "cofres", tipicamente encontrados nos tetos. Os retábulos eram providos de colunas espiraladas revestidas de folhagens, aves e anjos, interligadas por arquivoltas no mesmo padrão, com grande homogeneidade estilística, no que se convencionou chamar de "estilo nacional português. Ilustrativa da transição é a Igreja de São Francisco de Salvador, e sua talha dourada, luxuriante, cobre inteiramente todas as superfícies internas, com impactante efeito de conjunto. Abrindo o século XVIII, a talha começou a desenvolver um relevo mais alto, projetando-se tridimensionalmente do plano da parede, com caráter estatuário e arquitetônico, apresentando cariátides, anjos e guirlandas, coroamentos com sanefas e falsos cortinados, revestidos com policromia ou em branco e dourado, definindo o chamado barroco joanino, cujas feições mais importantes são a progressiva integração entre estatuária e talha e a presença de dosséis de coroamento nos altares.
Ao mesmo tempo, as fachadas adquiriam mais verticalidade e movimento, com aberturas em formas inusitadas - pera, losango, estrela, oval ou círculo - os frontões, mais curvas, relevos em pedra e estatuária, e as plantas começavam a se desenhar com formas poligonais ou elípticas. Exemplos são a Basílica de Nossa Senhora do Carmo e a Igreja de Santo Antônio, em Recife, e em Salvador a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Um fenômeno um tanto diferente se verificou nas Reduções do sul, embora neste período aquele território ainda pertencesse à Espanha. Lá as construções mostraram desde logo um caráter mais monumental, e com uma maior variedade de soluções estruturais, com pórticos, colunatas e frontispícios elaborados. Também nas Reduções se desenvolveu um notável programa urbanístico para o aldeamento dos indígenas. Hoje em ruínas, parte desse núcleo de arquitetura civil e religiosa sulina foi declarado Patrimônio da Humanidade
A partir de meados do século XVIII passou a predominar a influência francesa, gerando uma derivação rococó cujo maior florescimento ocorreu em Minas Gerais, se caracterizando pelos retábulos com coroamento de grande composição escultórica e com elementos ornamentais na forma de conchas, laços, grinaldas e flores, com fundos brancos e douramentos nas partes em relevo. No exterior dos edifícios se percebe um aligeiramento nas proporções, tornando-os mais elegantes; as aberturas são mais amplas, permitindo uma maior penetração da luz externa, e o detalhamento nos relevos em pedra chega a um alto nível. O Rococó também deu importantes frutos no nordeste, como a Matriz de Santo Antônio, com rica talha nos altares, e o Convento e Igreja de São Francisco em João Pessoa, considerado por Bazin a mais perfeita dentre as construções franciscanas Rococó do Nordeste brasileiro, embora seja uma adaptação bastante aproximada do projeto do templo de Cairu, 50 anos mais antigo. No Rio são notáveis a Igreja do Carmo e a de Santa Rita.
Na arquitetura civil, privada ou pública, o Barroco deixou relativamente poucos edifícios de maior vulto, sendo em linhas gerais bastante modestos, com ornamentação resumida aos arcos nas aberturas, ocasionalmente algum trabalho de cantaria ou de azulejaria, e alguma discreta pintura decorativa no interior. Mas os conjuntos dos centros históricos de algumas cidades Salvador, Ouro Preto, Olinda, Diamantina, São Luís e Goiás, declarados Patrimônio da Humanidade pela Unesco, ainda permanecem em boa parte intactos, apresentando uma paisagem ininterrupta extensa e valiosíssima de arquitetura urbana do barroco, com farta ilustração de todas as adaptações do estilo aos diferentes estratos sociais e às suas transformações ao longo dos anos. Do reduzido número de exemplos civis significativos se destacam a antiga Casa da Câmara e Cadeia de Ouro Preto, hoje o Museu da Inconfidência, com uma rica e movimentada fachada onde há um pórtico com colunas, escadaria monumental, uma torre e estátuas; a Casa da Câmara e Cadeia de Mariana, a Câmara de Salvador, e o Paço Imperial no Rio, que foi a residência da família real.
O caso mineiro
Minas teve a peculiaridade de ser uma área de povoamento mais recente, e pôde-se construir em estéticas mais atualizadas, no caso, o Rococó, e com mais liberdade, uma profusão de igrejas novas, sem ter de adaptar ou reformar edificações mais antigas já estabelecidas e ainda em uso, como era o caso no litoral, o que as torna exemplares no que diz respeito à unidade estilística. O conjunto das igrejas de Minas tem uma importância especial tanto por sua riqueza e variedade como por ser testemunho de uma fase bem específica na história brasileira, quando a região foi a "menina dos olhos" da Metrópole por suas grandes jazidas de ouro e diamantes.
A arquitetura mineira é interessante por se realizar geralmente em um terreno acidentado, cheio de morros e vales, dando uma forma atraente à urbanização das cidades. Mas não é isso o que torna Minas especial, já que a construção civil segue modelos formais comuns a toda arquitetura colonial brasileira. Entretanto, o caso mineiro tem o atrativo de constituir o primeiro núcleo no Brasil de uma sociedade eminentemente urbana. De qualquer forma, suas características estilísticas distintivas são mais claramente expressas na arquitetura religiosa, nas igrejas que proliferam em grande número em todas essas cidades. Segundo Telles, a originalidade da edificação sacra mineira está em dois elementos:
"a conjugação de curvas e de retas ou de planos, criando pontos e arestas de contenção, nas plantas, nos alçados e nos espaços internos e;
"a organização das frontarias tendo como centro de composição a portada esculpida em pedra-sabão; portadas que se constituem, visualmente, em núcleo, de onde derivam os demais elementos: pilastras, colunas, cimalhas, frontão, e para a qual eles convergem. Essas portadas, por outro lado, mostram-se plasticamente dinâmicas, fortes, enquanto que, na realidade, são constituídas de elementos opostos às paredes de alvenaria caiadas de branco, ao gosto do rococó".
Contudo, tais elementos só vieram a uma consumação perto do final do ciclo. No início do século as igrejas ainda derivavam suas plantas da matriz maneirista, com desenho retangular, fachada austera e frontão triangular, modelo exemplificado na Catedral de Mariana. Pedro Gomes Chaves introduziu em 1733 inovações importantes na Matriz do Pilar em Ouro Preto, com uma planta retangular mas cuja talha redefinia o espaço interno na forma de um decágono. Originais de fato, sem precedentes tanto na arquitetura brasileira como na portuguesa, foram as igrejas projetadas por Antônio Pereira de Sousa Calheiros, com destaque para a do Rosário dos Pretos em Ouro Preto, com planta composta de três elipses encadeadas, fachada circular com uma galilé de três arcos, e com torres circulares.
Da mesma época é a fachada do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos. Seu frontispício lavrado em pedra-sabão é tido como o primeiro exemplo dessa solução decorativa, obra possivelmente de Jerônimo Félix Teixeira. Hoje um Patrimônio da Humanidade, o santuário é caracterizado pela sua implantação cenográfica e monumental, abrigando ainda o maior e mais importante grupo de esculturas de Aleijadinho. Na segunda metade do século foi construída a Igreja do Carmo de Ouro Preto, com uma composição de fachada ainda mais ousada: O plano frontal cedeu lugar para uma parede ondulada, com torres circulares em recuo e óculo trilobado. Traçada por Manuel Francisco Lisboa, seu plano foi alterado em 1770 por Francisco de Lima Cerqueira, e o Aleijadinho esculpiu a portada. Aleijadinho, junto com Cerqueira, se tornaram os arquitetos mais importantes da região e de todo o Barroco brasileiro, e suas obras são a súmula das novidades que distinguem o Barroco de Minas Gerais. Aliás, a contribuição de Cerqueira tem sido recentemente reavaliada, concedendo-lhe a ele um papel na arquitetura mineira possivelmente maior que o do Aleijadinho. A Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto é atribuída ao Aleijadinho, embora não haja documentação a respeito. Sabe-se porém que o plano original sofreu alterações de Cerqueira, e de certeza é do Aleijadinho apenas a escultura da portada. De qualquer forma o templo é uma jóia de harmonia entre exterior e interior, e suas soluções são de grande originalidade, incorporando até mesmo traços de estilos antigos como o Gótico e o Renascentista
Pintura e escultura
A pintura e a escultura barrocas se desenvolveram como artes coadjutoras para obtenção do efeito cenográfico total da arquitetura sagrada, a igreja, onde todas as especialidades conjugavam esforços em busca de um impacto sinestésico arrebatador. Uma vez que a arte barroca é essencialmente narrativa, cabe mencionar os principais grupos temáticos cultivados no Brasil. O primeiro é extraído do Antigo Testamento, oferecendo visualizações didáticas da cosmogênese, da criação do Homem e dos fundamentos da fé dados pelos patriarcas hebreus. O segundo grupo deriva do Novo Testamento, centralizado em Jesus Cristo e sua doutrina de Salvação, temática elaborada através de muitas cenas mostrando seus milagres, suas parábolas, sua Paixão e Ressurreição, elementos que consolidam e justificam o Cristianismo e o diferenciam da religião judaica. O terceiro grupo gira em torno dos retratos de autoridades da Igreja, os antigos patriarcas, os mártires, santos e santas, os clérigos notáveis, e por fim vem o grupo temático do culto mariano, retratando a mãe de Jesus em suas múltiplas invocações.
A condição social dos artistas e as circunstâncias de sua atuação no Brasil colonial ainda são objeto de polêmica. Não se sabe exatamente se sua atividade permanecia subordinada ao estatuto das artes mecânicas e artesanais ou se já era considerada parte das artes liberais. Ao que parece, uma forma corporativa semelhante à guilda predominou até o advento do Império, organizada da seguinte maneira: o mestre ficava no topo da hierarquia, era responsável final pelas obras e pela formação e habilitação de novos aprendizes; abaixo estava o oficial, um profissional preparado, mas sem graduação para arrematar obras de vulto; em seguida vinham os auxiliares, os jovens aprendizes, e os escravos ficavam na base.
Pintura
Como ocorreu em todas as artes, a Igreja Católica foi a maior patrona da pintura colonial. Para a Igreja a pintura tinha como função básica auxiliar na catequese e confirmar a fé dos devotos. A necessidade de ser facilmente compreensível pelo povo inculto significou que o desenho predominasse sobre a cor. O desenho, na conceituação da época, pertencia à esfera da razão e definia a ideia a ser transmitida, e a cor fornecia a ênfase emocional necessária à melhor eficiência funcional do desenho. Desta forma, toda a pintura barroca é figurativa, retórica e moralizante. Cada cena trazia uma série de elementos simbólicos que constituíam uma linguagem visual, sendo usados como palavras na construção de uma frase. O significado de tais elementos era, na época, de domínio público. As imagens dos santos mostravam seus atributos típicos, como os instrumentos do seu suplício, ou objetos que estiveram ligados à sua carreira ou ilustrassem suas virtudes. Por exemplo, São Francisco podia aparecer rodeado de objetos associados à penitência e à transitoriedade da vida: o crânio, a ampulheta, o rosário, o livro, o açoite e o cilício
As vasta maioria das pinturas barrocas brasileiras que sobrevivem foram realizadas em têmpera ou óleo e inseridas na decoração em talha. Sobrevivem alguns raríssimos exemplos da técnica do afresco no Mosteiro de São Bento no Rio e na Igreja dos Terésios em Cachoeira do Paraguaçú, mas não há registro de popularização da técnica. Desde o início foram populares os ex-votos, e no século XVIII se tornariam ainda mais comuns. Eram em regra de fatura rústica, encomendados pelos devotos a artesãos populares em paga por alguma graça recebida ou em penhor de alguma promessa. Os ex-votos tiveram um papel importante no primeiro desenvolvimento da pintura colonial por constituírem uma prática frequente, o que se explica pelo cenário ainda selvagem onde as povoações se organizavam, e onde não faltavam perigos de várias ordens contra os quais a invocação aos poderes celestes para a ajuda e proteção era constante.
Ainda no século XVII artistas holandeses da corte pernambucana de Maurício de Nassau, nomeadamente Frans Post e Albert Eckhout, realizaram em tela notáveis documentos da terra e da gente local através da técnica requintada e minuciosa. Embora sejam obras classicistas, e não tipifiquem o Barroco, se tornam importantes porque foram as primeiras grandes obras profanas da pintura brasileira, e pela influência que deixaram no talvez seu único continuador, frei Eusébio da Soledade, considerado o fundador da escola baiana, que logo se conformou aos padrões barrocos. Deste período inicial merecem citação alguns dos poucos nomes de pintores de que se sabe alguma coisa, já que a grande parte da produção permanece anônima. Baltazar de Campos, ativo no Maranhão, produziu telas sobre a Vida de Cristo para a sacristia da Igreja de São Francisco Xavier; João Felipe Bettendorff, também no Maranhão, decorou as igrejas de Gurupatuba e Inhaúba, e Frei Ricardo do Pilar, ativo no Rio com uma técnica que se aproxima da escola flamenga, foi autor de um célebre Senhor dos Martírios. Lourenço Veloso, Domingos Rodrigues, Jacó da Silva Bernardes e Antonio Gualter de Macedo atuaram em diversos locais entre Pernambuco e Rio de Janeiro.
O século XVIII viu a pintura florir em inumeráveis igrejas em todas as regiões do país, formando os germes de escolas regionais e sobrevivendo maior número de identidades individuais conhecidas. A esta altura já circulava no país uma vasta quantidade de gravuras europeias, que reproduziam obras de mestres célebres ou ofereciam outros modelos iconográficos. Essas gravuras foram a principal fonte de inspiração para os pintores coloniais brasileiros, e vários estudos já documentaram sua apropriação massiva de tais modelos, adaptando-os às necessidades e possibilidades de cada local. Serviam-lhes mesmo de escola, uma vez que não havia academias de arte e poucos eram os artistas com preparo formal. Destes, quase só os missionários educados na Europa, os primeiros professores de pintura do Brasil. Contudo, como esse acervo iconográfico importado tinha um perfil muito heterogêneo, composto de imagens de diferentes épocas e estilos, decorre que a pintura barroca brasileira tem um caráter igualmente dinâmico e multifacetado, não sendo possível estudá-la sob um prisma de unidade e coerência formal.
Contribuiu para o enriquecimento da pintura setecentista a introdução, na década de 1730, por Antônio Simões Ribeiro e Caetano da Costa Coelho, em Salvador e no Rio respectivamente, das primeiras composições de perspectiva arquitetural ilusionística no Brasil, uma técnica que logo ganhou muitos adeptos e teve uma culminação com José Joaquim da Rocha no teto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, datado de 1773-1774. José Teófilo de Jesus merece nota pela singularidade de seu talento multifacetado, um dos maiores representantes da escola baiana, abordando temas mitológicos e alegóricos, raros na produção colonial. É um bom exemplo da vitalidade do Barroco brasileiro, pois suas obras de maior vulto surgiram já no século XIX, permanecendo em atividade até cerca de 1847, pouco tocado pelo Neoclassicismo. No Rio, no nordeste, em São Paulo, já havia em meados do século XVIII ativas escolas regionais. Mas foi em Minas, outro centro florescente, que nasceu e atuou Mestre Ataíde, o último grande mestre da pintura barroca brasileira e tido como um dos pioneiros na organização de uma estética genuinamente nacional, autor de um teto muito louvado na Igreja de São Francisco de Ouro Preto, além de ter deixado muitas outras obras meritórias. É interessante ainda o belo acervo remanescente de azulejaria pintada, em boa parte importado de Portugal, mas que não obstante deu uma nota característica em inúmeros conventos, igrejas e casarios barrocos brasileiros.
Escultura
O Barroco originou uma vasta produção de estatuária sacra. Parte integral da prática religiosa, a estatuária devocional encontrava espaço tanto no templo como no domicílio privado. As primeiras peças barrocas do país eram de importação portuguesa, e vieram com os missionários. Ao longo de todo o Barroco a importação de obras continuou, e muitas das que ainda existem em igrejas e coleções museais são de procedência européia. Mas a partir do século XVII começaram a se formar escolas conventuais locais de escultura, compostas principalmente por religiosos franciscanos e beneditinos, mas com alguns artesãos laicos, que trabalhavam principalmente o barro. Já os jesuítas deram preferência à madeira. Índios reduzidos também deram sua colaboração como santeiros, especialmente nas reduções do sul e em algumas do nordeste, e nesses casos muitas vezes traços étnicos índios são encontrados no rosto das imagens, como se verifica em algumas esculturas dos Sete Povos das Missões. Criados aqui ou não, dificilmente haveria uma casa que não possuísse ao menos algum santo de devoção esculpido: a estatuária se tornou um bem de largo consumo, quase onipresente, com exemplares de grande porte até peças miniaturizadas para uso prático em viagens. Salvador em especial tornou-se um centro exportador de estatuária para os mais distantes pontos do país, criando uma escola regional de tanta força que não conheceu solução continuidade senão no século XX. Outra escola nordestina importante foi a de Pernambuco, com produção de alta qualidade mas ainda pouco estudada. A maioria das obras que sobrevivem permanece anônima; não costumavam ser assinadas e as análises de estilo muitas vezes não são suficientes para se determinar com precisão sua origem, uma vez que a iconografia seguia padrões convencionados que valiam por toda parte e a circulação de obras pelo país era grande, mas alguns nomes foram preservados pela tradição oral ou através de recibos de pagamento de obras.
Com a sedimentação da cultura nacional por volta da metade do século XVIII, e com a multiplicação de artífices mais capazes, nota-se um crescente refinamento nas formas e no acabamento das peças, e aparecem imagens de grande expressividade, ora quase sempre em madeira. Entretanto, a importação de estatuária diretamente de Portugal continuou e mesmo cresceu com o enriquecimento da colônia, uma vez que as classes superiores preferiam exemplares mais bem acabados e de mestres mais eruditos. Ao mesmo tempo se multiplicaram as escolas regionais, com destaque para as do Rio, São Paulo, Maranhão, Pará, e Minas, onde a participação do negro e do mulato foi essencial e onde se desenvolveram traços típicos regionais mais distintos que podiam incorporar elementos estilísticos arcaizantes ou de várias escolas em sínteses ecléticas. Aleijadinho representa o coroamento e a derradeira grande manifestação de escultura barroca brasileira, com obra magistral espalhada na região de Ouro Preto, especialmente as obras no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, compondo uma série de grandes grupos escultóricos nas capelas das estações da Via Crucis e os célebres Doze Profetas, no adro daquela igreja. Alguns outros autores merecem nota: Agostinho de Jesus, ativo no Rio e São Paulo, e frei Agostinho da Piedade, de Salvador, considerados os fundadores da escultura brasileira; José Eduardo Garcia, Francisco das Chagas, o Cabra, Félix Pereira Guimarães e Manuel Inácio da Costa, ativos em Salvador; Francisco Xavier de Brito, atuando entre Rio e Minas, Manoel da Silva Amorim, em Pernambuco, Bernardo da Silva, da escola maranhense, Simão da Cunha e Mestre Valentim, no Rio de Janeiro. Na escola de Minas, Francisco Vieira Servas, José Coelho Noronha, Felipe Vieira, Valentim Correa Paes e Bento Sabino da Boa Morte, entre outros.
A estatuária barroca por regra era pintada com cores vivas e não raro com douramentos, e decorada com ornamentos acessórios como coroas e resplendores em prata e ouro, que podiam ser cravejados de pedras preciosas. Também podiam ser colocados olhos de vidro, dentes de marfim e vestidos de tecido, e as grandes estátuas de roca, que se levavam em procissões, podiam ter cabelos reais, a fim de enfatizar seu aspecto ilusionístico, e membros articulados, para possibilitar seu uso em representações teatrais sacras. Para a pintura a imagem em material bruto recebia uma camada de um preparo à base de argila e cola, conhecido como "bolo armênio", que preenchia os poros da madeira ou do barro e criava uma superfícia lisa para o trabalho posterior. Se a imagem fosse ter douramento, as finíssimas folhas de ouro eram aplicadas em seguida, podendo ser polidas para realçar o brilho, ou não, criando um dourado fosco. O prateamento era mais raro, e mais custoso, pois não havia minas de prata no Brasil e o material era obtido da fundição de moedas peruanas. Sobre o ouro ou prata era aplicada a tinta, óleo ou têmpera oleosa, e para que o metal subjacente aparecesse era removida nas partes necessárias com estiletes ou com um ponteador, o que possibilitava o desenho de intrincados padrões florais ou abstratos. A pintura do rosto, mãos, pés ou outras partes do corpo à mostra se chamava "encarnação", e como o nome sugere, almejava o efeito da carne humana; a decoração do vestuário se denominava "estofamento". Nos exemplares em marfim, mais raros, o material podia ser deixado aparente. Quando uma imagem se deteriorava podia ser descartada, lançando-a ao mar, a um rio, enterrando-a numa igreja ou depositando-a em algum oratório de beira de estrada. Em festas solenes, ou como pagamento de alguma promessa, estatuária mais antiga podia ser reformada, talhando-se novos detalhes e realizando uma repintura.
Merece nota, finalmente, a magnífica produção de escultura aplicada, no mobiliário entalhado e na talha dourada das igrejas, já bem ilustrada nas seções acima, que chegaram a altos níveis de refinamento e complexidade, como provam os altares de São Bento em Olinda, a Basílica de Nossa Senhora do Carmo e da Capela Dourada em Recife, da Igreja
Literatura
Devido a peculiaridades de sua formação como colônia, no Brasil a cultura literária custou a se desenvolver. Portugal não fazia nenhuma questão de educar os territórios colonizados, pois o grande interesse era a exploração de seus recursos. Bibliotecas e escolas públicas não havia, e o que se aprendia - quando se aprendia - era uma instrução elementar sob a tutela da Igreja, especialmente dos jesuítas, fortemente direcionada para a catequese, e ali se encerrava a educação, sem perspectivas nenhumas de aprofundamento ou de aprimoramento do gosto literário a não ser que os pupilos acabassem por ingressar nas fileiras da Igreja, que então lhes daria melhor preparo. Acrescente-se a isso que grande parte da população era analfabeta e a transmissão de cultura era baseada quase toda na oralidade, a imprensa era proibida, manuscritos eram raros pois o papel era custoso, e só circulavam livros que haviam passado pela censura do governo, principalmente vidas de santos, catecismos, uns poucos romances inocentes de cavalaria, compêndios de latim, lógica e legislação, de modo que além de os leitores serem poucos, quase não havia o que ler. Assim, a escassa literatura produzida durante o Barroco nasceu principalmente entre os padres, alguns deles de elevada ilustração, ou no seio de alguma família nobre ou abastada, entre os oficiais do governo, que podiam se dar ao luxo de estudar na metrópole, e era consumida neste mesmo círculo reduzido. O que pôde florescer nesse contexto paupérrimo seguiu em linhas gerais o Barroco literário europeu, caracterizando-se numa ênfase na retórica exuberante, no gosto pelas figuras de linguagem, no cultivo dos contrastes e no apelo emocional. Salvo por raros literatos que serão em breve mencionados, somente no século XVIII é que a literatura vai começar a adquirir uma feição mais rica e mais nitidamente nativa, acompanhando o crescimento das cidades litorâneas e o surgimento do ciclo do ouro em Minas Gerais, ao mesmo tempo em que começava uma transição para o Arcadismo e seus valores classicistas.
Poesia
No campo da poesia, destaca-se o precursor Bento Teixeira com seu épico Prosopopéia, inspirado na tradição de Camões, seguido de Manuel Botelho de Oliveira, autor de Música do Parnaso, o primeiro livro impresso de autor nascido no Brasil, uma coletânea de poemas em português e espanhol em rigorosa orientação cultista e conceptista, afim da poesia de Góngora, e mais tarde o frei Manuel de Santa Maria, também da escola camoniana. Mas o maior poeta do barroco brasileiro é Gregório de Matos, de grande veia satírica, e igualmente penetrante na religião, na filosofia e no amor, muitas vezes de crua carga erótica. Também fez uso de uma linguagem culta e cheia de figuras de linguagem. Foi apelidado de O Boca do Inferno por suas críticas mordazes aos costumes da época. Na sua lírica religiosa os problemas do pecado e da culpa são importantes, como é o conflito da paixão com a dimensão espiritual do amor. Veja-se o exemplo do soneto A Jesus Cristo Nosso Senhor:
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Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
da vossa alta clemência me despido;
porque, quanto mais tenho delinqüido,
- vos tenho a perdoar mais empenhado.
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Se basta a vos irar tanto pecado,
a abrandar-vos sobeja um só gemido:
que a mesma culpa, que vos há ofendido
- vos tem para o perdão lisonjeado.
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Se uma ovelha perdida, e já cobrada
glória tal e prazer tão repentino
- vos deu, como afirmais na sacra história,
- eu sou Senhor, a ovelha desgarrada,
- cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
- perder na vossa ovelha, a vossa glória.
Prosa
Na prosa o grande expoente é o Padre António Vieira, com os seus sermões, dos quais é notável o Sermão da Primeira Dominga da Quaresma, onde defendia os nativos da escravidão, comparando-os aos hebreus escravizados no Egito. No mesmo tom é o Sermão 14 do Rosário, condenando a escravidão dos africanos, comparado-a ao calvário de Cristo. Outras peças importantes de sua oratória são o Sermão de Santo António aos Peixes, o Sermão do Mandato, mas talvez a mais célebre seja o Sermão da sexagésima, de 1655. Nele não apenas defende os índios, mas também e, principalmente, ataca seus algozes, os dominicanos, por meio de hábil encadeamento de imagens evocativas. Sua escrita era animada pelo anseio de estabelecer um império português e católico regido pelo zelo cívico e a justiça, mas sua voz foi interpretada como uma ameaça à ordem estabelecida, o que lhe trouxe problemas políticos e atraiu sobre si a suspeita de heresia. Seu estilo pode ser sentido neste fragmento:
"O trigo que semeou o pregador evangélico, diz Cristo que é a palavra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que o trigo caiu, são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e obstinados; e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos e perturbados com a passagem e tropel das coisas do Mundo, umas que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas passam; e nestes é pisada a palavra de Deus, porque a desatendem ou a desprezam. Finalmente, a terra boa são os corações bons ou os homens de bom coração; e nestes prende e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um: Et fructum fecit centuplum."
Outros nomes na prosa do período são historiadores ou cronistas, como Sebastião da Rocha Pita, autor de uma História da América Portuguesa, Nuno Marques Pereira, cujo Compêndio Narrativo do Peregrino da América é considerado uma das primeiras narrativas de cunho literário do Brasil, na forma de uma alegoria moralizante, e o frei Vicente do Salvador, autor da Historia do Brazil, de onde vem este excerto que trata do Descobrimento:
"A Terra do Brasil, que está na América, huma das quatro partes do Mundo, não se descobrio de proposito, e de principal intento; mas acaso indo Pedro Alvares Cabral, por mandado de El Rey Dom Manoel no (ano) de mil e quinhentos para a India por Capitão Mor de doze Naus, afastando-se da costa de Guiné, que já era descoberta ao Oriente, achou estoutra ao Ocidente, da qual não havia noticia alguma, foi a costeando alguns dias com tromenta the chegar a hum porto seguro, do qual a terra visinha ficou com o mesmo nome.
"Ali desembarcou o dito Capitão com seus soldados armados, pera peleijarem; porque mandou primeiro hum batel com alguns a descobrir campo, e derão novas de muitos Gentios, que virão; porem não foram necessarias armas, porque só de verem homens vestidos, e calçados, e brancos, e com barba - do que tudos elles caressem - os tiverão por divinos, e mais que homens, e assim chamando-lhes Carahibas, que quer dizer na sua lingoa cousa divina, se chegaram pacificamente aos nossos."
Música
A música é a arte cuja trajetória durante o Barroco no Brasil é das menos conhecidas e das que deixou menos relíquias. Da produção musical nativa só sobrevivem obras significativas a partir do final do século XVIII, ou seja, quando o Barroco já estava dando lugar às escolas Rococó e Neoclássica. Não que não tivesse havido vida musical na colônia nos séculos anteriores; houve, e importante - embora não possa ser comparada à de outros centros coloniais americanos como o Peru e o México, ou à da própria Metrópole portuguesa - apenas as partituras infelizmente se perderam, mas testemunhos literários não deixam dúvida sobre a intensa atividade musical brasileira desde o início do Barroco, especialmente no Nordeste.
Música profana
No campo profano há registros de encenações de óperas italianas - uma voga no século XVIII - em teatros da Bahia 1729, 1760, Rio 1767, São Paulo 1770 e se iam organizando algumas irmandades musicais e orquestras, muitas formadas por mulatos. No final do século XVIII havia mais músicos ativos na colônia do que em Portugal, o que diz da intensidade da prática no Brasil desenvolvida. Destacou-se nesta fase também o português Antônio Teixeira, que musicou as sátiras de Antônio José da Silva, o Judeu, de grande difusão e sucesso embora escritas em Portugal.
A primeira partitura vocal profana escrita no Brasil em português que perdurou foi a Cantata Acadêmica Heroe, egregio, douto peregrino, na verdade apenas um par recitativo + ária de um compositor anônimo, que em 1759 saudava em música perfeitamente rococó o dignitário português José Mascarenhas Pacheco Pereira de Mello e deplorava as dificuldades por que ele passara nesta terra. Sua autoria por vezes é atribuída a Caetano Melo de Jesus, mestre de capela na Sé de Salvador e autor também de uma Escola de Canto de Órgão canto de órgão" era entendido como canto polifônico, em quatro volumes, que é o mais importante tratado de teoria musical escrito em língua portuguesa de sua época, competindo com os de célebres musicólogos europeus. A Cantata merece a transcrição de um trecho do seu texto por ser também um bom exemplo da retórica típica da época empregada na louvação dos poderosos:
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- "E bem que quis a mísera fortuna,
- que vos fosse molesta e que importuna
- a hospedagem, Senhor, desta Bahia.
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- "Sabem os céus e testemunha sejam,
- que dela os naturais só vos desejam
- faustos anos de vida e saúde,
- de próspera alegria, pela afável virtude
- de vossa generosa urbanidade,
- com que a todos honrais, desta cidade!
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- "Oh! Quem me dera a voz, me dera a lira
- de Anfião e de Orfeu, que arrebatava os montes
- e fundava cidades, pois com elas erigira
- um templo que servisse por memória
- e eterno monumento à vossa glória!
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- "Oh! Se também tivera o canto grave
- da filomela doce e cisne suave,
- vosso louvor, sem pausa, cantaria,
- com cláusula melhor, mais harmonia.
Música sacra
Como grande parte da prática e do ensino era conduzida pelos religiosos, no terreno da música erudita o que mais se produziu foi no gênero sacro, em missas, motetos, antífonas, ladainhas e salmos, seja a cappella, seja para solistas com coro e orquestra. É bem conhecida a participação de índios numa vida musical intensa e de alta qualidade e complexidade técnica em algumas reduções do sul do país, mas este foi um fenômeno isolado; no geral a música praticada pelos missionários entre os índios era bastante simples, e a catequese empregava basicamente o canto homofônico, inserido muitas vezes nas representações teatrais de autos sagrados. Pouco mais tarde foi introduzido um instrumental elementar composto basicamente pelas flautas e as violas de arame. Com o crescimento da colônia se tornou muito mais importante musicalmente o negro escravo. Há inúmeros relatos sobre as orquestras de negros e mulatos tocando com perfeição peças eruditas européias e locais, e boa parte dos maiores compositores do período são igualmente descendentes de escravos, embora traços da cultura original de sua raça não sejam de forma alguma detectados em sua produção, toda orientada para modelos europeus.
Em São Luís, desde 1629 é assinalada a presença de Manuel da Motta Botelho como mestre de capela. O frei Mauro das Chagas trabalhou um pouco antes em Salvador, e depois dele vieram José de Jesus Maria São Paio, frei Félix, Manuel de Jesus Maria, Eusébio de Matos e diversos outros, sobretudo João de Lima, o primeiro teórico musical do Nordeste, polifonista, multi-instrumentista e mestre de capela da Sé de Salvador entre 1680 e 1690, e depois assumindo a de Olinda. Uma das figuras principais do auge musical de Salvador foi o frei Agostinho de Santa Mônica 1633-1713, de grande fama quando viveu, e autor de mais de 40 missas, algumas em estilo policoral, e outras composições. Caetano de Melo Jesus, já referido antes, foi outro grande personagem na música da capital baiana.
Os outros centros principais da época, Recife, Belém e São Paulo, só puderam manter uma atividade consistente a partir do século XVIII, e sua qualidade então chegou a um nível que interessou até mesmo musicólogos da Metrópole, sendo diversos autores citados no Dicionário de músicos portugueses de José Mazza, entre eles Caetano de Melo Jesus, Eusébio de Matos, José Costinha, Luís de Jesus, José da Cruz, Manoel da Cunha, Inácio Ribeiro Noia e Luís Álvares Pinto.
Apesar do grande número de músicos atuantes em todo o Nordeste e centro do país durante o Barroco, praticamente toda sua produção desapareceu. De Luís Álvares Pinto, mestre de capela em Recife, fundador de uma Sociedade de Santa Cecília e autor de uma Arte de solfejar e de um Muzico e Moderno Systema para Solfejar sem Confuzão, restam apenas pouquíssimas composições, um notavelmente melódico e fluente Te Deum as partes instrumentais intermédias se perderam e nas edições modernas foram reconstruídas, uma Salve Regina e os exemplos que deixou em sua Arte de solfejar. A maior parte das partituras remanescentes da música colonial brasileira data da segunda metade do século XVIII. André da Silva Gomes, prolífico compositor, autor de uma Arte explicada do contraponto e mestre de capela da Sé de São Paulo, é um dos autores de quem se conhecem mais obras. Outro de quem sobreviveu um acervo apreciável é Damião Barbosa Araújo, baiano, mas a estética de ambos já esboça um Neoclassicismo.
A produção do integrantes da Escola de Minas é bem mais documentada, mas não pode de fato ser classificada como barroca. Ou é de um rococó que já incorpora muitos traços neoclássicos, ou já é inteiramente classicista. Dentre os que preservam um pouco mais nitidamente soluções formais, técnicas e sonoridades do Barroco está Lobo de Mesquita, possivelmente o maior de todos os mineiros e a quem se atribui a autoria de cerca de trezentas obras, de que sobrevivem quarenta. São bem conhecidas a Antífona de Nossa Senhora 1787, o Tractus para o Sábado Santo 1783 e a Missa em si bemol 1783 e diversas outras. Também importantes neste grupo são Francisco Gomes da Rocha, autor de duzentas peças entre elas as estimada Novena de Nossa Senhora do Pilar, Inácio Parreira Neves e Manoel Dias de Oliveira.
Este rico acervo de música colonial, até há pouco mal conhecido e menosprezado, longamente esquecido em arquivos paroquiais, tem recebido atenção de musicólogos e intérpretes desde a atuação precursora de Curt Lange em meados do século XX, e hoje é presença relativamente assídua em concertos no Brasil e no exterior, já possuindo boa discografia por grupos de música de reconstrução histórica. As pesquisas recentes continuam a revelar mais obras dadas como perdidas, enriquecendo o conhecimento moderno sobre um campo onde ainda há muito por resgatar e entender.
Mídia
Teatro
As primeiras manifestações teatrais importantes no Brasil ocorrem na transição do maneirismo para o barroco, e foram realizadas em âmbito religioso, como parte da obra missionária de catequização do gentio. Assim são as peças de José de Anchieta, o maior e praticamente único dramaturgo do século XVI no Brasil, e sua produção se insere na concepção jesuíta de catequese cênica, sistematizada pelo padre Franciscus Lang em sua Dissertatio de actione scenica. Para formular seus preceitos Lang se baseou na tradição teatral italiana, nos antigos autos de mistérios medievais, e nas prescrições dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loiola, que previa a composição de lugar para melhor eficiência da meditação espiritual. No caso específico de Anchieta, o teatro de Gil Vicente foi outra referência importante.
Os enredos eram em geral retirados da Bíblia e da hagiografia católica, e a história da Paixão de Cristo ao longo da Via Sacra era dos mais importantes. As peças de Anchieta já evidenciam uma das características do teatro religioso do barroco que permaneceria ao longo dos séculos seguintes, o sincretismo, com personagens retirados de vários períodos históricos e misturados a figuras lendárias. No Auto de São Lourenço, por exemplo, aparecem juntos os imperadores romanos Décio e Valeriano, anjos, os santos Sebastião e Lourenço, uma velha, meninos e demônios indígenas, e nesta mistura fica desde logo claro o propósito de "relativizar o tempo e o espaço em função do referencial divino, que é eterno e absoluto. Diante de Deus todas as coisas são concomitantes e, apesar da existência de uma história da salvação, os verdadeiros valores não são históricos ou lineares". No século XVII a forma do teatro sacro se desenvolve, se enriquecem os cenários e acessórios cênicos, e o público-alvo já não é primariamente o índio, mas toda a população.
Ainda não havia teatros, e o local para tais representações era usualmente ao ar livre, nas praças diante das igrejas, ou ao longo das procissões, com o auxílio de cenários móveis instalados em cima de carros alegóricos que acompanhavam o percurso. A encenação contava com a viva participação popular, num movimento integrado entre atores e público. Muitas vezes se fazia uso de marionetes ou imagens sacras de um tipo especial, as estátuas de roca, vestidas como pessoas e articuladas de modo a poderem se adaptar à ação que se desenrolava, onde desempenhavam um papel evocativo fundamental. Era nessas ocasiões, como expressou Sevcenko, em que o barroco revelava toda a sua força aglutinadora, sua energia extravasante e o poder de seu encantamento:
"Então toda a cidade se move. As imagens desfilam solenes, refletindo as cores de suas tintas, vernizes, pedrarias e tecidos luxuosos, entre massas de velas e rolos da névoa perfumada exalada pelos turíbulos. A multidão adquire forma, organizada na hierarquia de suas funções, lustre e condição social. À frente, os representantes do Rei e da Igreja com suas insígnias e trajes de gala, seguidos dos militares em armaduras, as irmandades e confrarias com seus ícones e estandartes, e a escravaria agregada sob a efígie da Santa Misericórdia. Todos na mesma cadência, marcada pelos coros polifônicos e pelos clamores da fé, gritos, vivas, lágrimas e confissões espontâneas de pecados e vícios inimagináveis.....
"À noite se davam as encenações teatrais, recitações, cantos, danças e mascaradas. As coreografias formais dos minuetos e contra-danças nos salões extravasavam para as mouriscas e lundus nas varandas e dali para os congos, batuques e cucumbis nos quintais e terreiros. As danças noturnas se encarregavam assim de dissolver as rígidas segregações hierárquicas longamente ritualizadas durante o dia, reembaralhando as cartas ao acaso dos destinos individuais. Na vertigem dos rodopios e requebros, cada um incorpora o eixo em torno do qual gira o mundo, se lançando ao imprevisto das contingências guiado apenas pela verdade profunda da fantasia".
Ao lado das manifestações sacras, as representações profanas tinham lugar nos festejos públicos, oficiais ou populares, que se acompanhavam de cortejos, música e dança, e no entretenimento privado, onde os marionetes eram de uso freqüente e o improviso uma praxe. Salvador foi o primeiro palco desse teatro profano; logo outros centros como o Rio e Minas também assinalam sua ocorrência. O teatro profano erudito só começaria a aparecer com a construção, a partir do século XVIII, de diversas casas de espetáculo pelo litoral e em alguns centros interioranos, como Ouro Preto e Mariana. Serviam principalmente à representação de peças musicadas, as óperas, melodramas e comédias. Ao mesmo tempo, surgia o desejo de profissionalização do teatro brasileiro, até então de base amadora e popular, com o resultado de os tablados itinerantes darem lugar ao auditório fixo. O repertório era basicamente importado da Europa, com obras de Molière, Corneille, Voltaire, e as sátiras musicadas de António José da Silva, o Judeu, tiveram enorme popularidade.
Das casas de teatro barrocas do Brasil, a mais antiga ainda existente é o Teatro Municipal de Ouro Preto, de 1770, que é também o mais antigo das Américas ainda em uso. No Rio há registro de teatros mais antigos, como a Casa de Ópera do Padre Boaventura, erguida possivelmente em 1747, mas esta não sobreviveu. Contudo os relatos descrevem a riqueza de seus cenários e figurinos, o uso de títeres, e seus complexos maquinismos cênicos, um equipamento essencial à criação dos efeitos especiais tão apreciados na encenação barroca. O próprio Padre Boaventura regia os espetáculos. Um outro teatro foi erguido no Rio por volta de 1755, o Teatro de Manoel Luiz; nele se assinala a atividade de um dos primeiros cenógrafos profissionais do Brasil, Francisco Muzzi, e um repertório com peças de Molière, Goldoni, Metastasio, Maffei, Alvarenga Peixoto e especialmente as peças do Judeu. Funcionou até a chegada da família real portuguesa ao Brasil
A herança cênica do barroco perdura até os dias de hoje em expressões populares sincréticas de longa e rica tradição que sobrevivem em diversos pontos do país, como as ladainhas, os congados, os ternos de Reis, e mesmo é visível no moderno carnaval, uma festa associada ao calendário religioso e uma das expressões populares contemporâneas que atualizam a cenografia luxuriante do auge do teatro e das festas barrocas.
Recepção crítica
As especificidades da cultura barroca brasileira, definindo modelos não só nas artes mas em toda a vida social, foram reconhecidas primeiramente através da atividade de algumas das primeiras academias nacionais, fundadas na Bahia no século XVIII, como a dos Renascidos e a dos Esquecidos, que articularam um discurso transfigurador da realidade local, apresentando o país como "o desdobramento de um prodígio de glórias nos três reinos da natureza, com a consagração do homem que catequizara os indígenas, expulsara os hereges e recebera a recompensa do açúcar, do ouro e outras riquezas", como descreveu Antônio Cândido. Contudo, a partir de fins do século XVIII, com a introdução de ideias iluministas, essa tradição começou a perder força, sendo substituída pela estética neoclássica. Chegando a corte portuguesa ao Rio de Janeiro, logo ela se tornou o "estilo oficial" do reino, uma mudança reforçada pela presença da Missão Artística Francesa. Desde então outras escolas artísticas se sucederam, fazendo com que a arte do passado fosse gradualmente esquecida e que muitas igrejas e outros monumentos barrocos fossem destruídos ou reformados de acordo com a nova moda vigente. Outro fator para o descrédito do Barroco foi sua associação com a longa dominação portuguesa, numa fase em que o novo império buscava afirmar-se como nação independente e progressista. Apesar de alguns viajantes estrangeiros do século XIX como Auguste de Saint-Hilaire e Richard Burton terem admirado as obras de Aleijadinho, ao longo de todo este século a opinião geral sobre o estilo era de desprezo. Isso não impediu que vários artistas populares, alguns deles com obra de alta qualidade, continuassem praticando no Barroco até o fim do século XIX, especialmente em regiões provincianas. Uma voz de exceção entre os círculos ilustrados oitocentistas foi o elogio que fez Araújo Porto-alegre aos artistas coloniais da escola fluminense, considerando-os dignos de um lugar honroso na história da arte brasileira, mas é típica a manifestação de Gonzaga Duque, um dos críticos mais influentes do fim do século XIX:
a igreja dos jesuítas é uma flagrante prova do mau gosto e da falta de inteligência que presidiam a formação de suas obras. Os mosteiros e conventos foram edificados durante o domínio do estilo Barroco, essa brutalidade inventada pelos fundadores da Inquisição. Nem palácios, nem templos suntuosos possuía a colônia. Tudo era acanhadamente dessa natureza".
Um resgate consistente dessa herança só começou a acontecer no início da década de 1920, quando Mário de Andrade realizou os primeiros estudos sobre a arquitetura religiosa mineira, já identificando algumas especificidades da versão brasileira do Barroco e rejeitando a associação do exótico e do pitoresco com o legitimamente nativo. Poucos anos depois estudou a obra de Aleijadinho, enfatizando também aspectos sociais da contribuição negra e mulata para a construção de uma arte que qualificava como "genuinamente nacional". Nesta época o conceito de Barroco era mal delimitado e sujeito a muito preconceito, até mesmo na Europa, e as contradições e imprecisões são visíveis nos textos de Mário e de outros autores que se ocuparam do tema mais ou menos no mesmo período, como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade
Na década de 1930, um grupo de intelectuais ligados ao governo federal, que se encontrava empenhado em implantar uma política cultural para o Brasil, se mobilizou para criar em 1937 o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SPHAN, antecessor do IPHAN. O líder do grupo e então diretor do SPHAN, Rodrigo Mello Franco de Andrade, procurou delimitar a modernidade brasileira na literatura, nas artes e na política por meio, entre outras coisas, da recuperação do passado colonial. "Contra o passado recente, um salto para trás, para o passado mais 'verdadeiro', onde se podia descobrir e inventar inclusive uma modernidade 'avant la lettre' ". Os principais focos de atuação do SPHAN em suas primeiras décadas de existência foram a identificação e tombamento de um rico acervo de edifícios religiosos (529 itens tombados nos primeiros 30 anos de funcionamento do órgão), o entendimento da importância do legado artístico do século XVIII e, nele, do fenômeno do Barroco mineiro como central. Nesse momento, a atenção dada aos monumentos coloniais suplantou quase completamente a que receberam os do Império e da Primeira República. Além dessas atividades, o SPHAN iniciou a publicação da revista Estudos Brasileiros e da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde a linguagem e metodologia impressionistas da crítica dos anos anteriores cedeu lugar para abordagens mais científicas. A partir de então a questão do Barroco brasileiro passou a ser uma presença regular nos debates acadêmicos no país
Logo em seguida, na década de 1940, os estudos foram significativamente aprofundados com a contribuição de dois teóricos estrangeiros, a alemã Hannah Levy e o francês Roger Bastide. Levy era versada no Barroco europeu; publicou em 1941 na Revista do SPHAN o estudo A propósito de três teorias sobre o Barroco, que se tornou uma referência para todos os pesquisadores por sistematizar o estado da discussão teórica em nível internacional, cotejando os trabalhos de Heinrich Wölfflin, Max Dvořák e Leo Ballet, que representavam as três correntes principais de estudo na época, e aplicando essa sua síntese ao caso brasileiro. Ao mesmo tempo, Bastide, que fora diretor do Museu do Louvre, se envolveu no assunto e passou a percorrer o interior para pesquisar fontes documentais em velhos arquivos e fazer registros fotográficos. Com seu conhecimento anterior sobre o Barroco europeu e mais esses dados ele pôde estabelecer uma base sociológica do Barroco nacional, desfazer a tradicional vinculação do apogeu econômico do ciclo do ouro com o apogeu artístico mineiro, distinguir entre as escolas regionais do nordeste e de Minas, e traçar suas correlações com o modelo europeu, além de oferecer paralelos entre o Barroco e a produção moderna. As aulas que ministrou na Universidade de São Paulo atraíram diversos estudantes que mais tarde se tornaram pesquisadores notáveis, como Antônio Candido, Lourival Gomes Machado, Décio de Almeida Prado e Gilda de Mello e Souza, os quais reconheceram que a contribuição de Bastide os auxiliou na focalização de seus próprios estudos sobre a realidade brasileira, além de apresentá-los a uma metodologia intelectual atualizada. Em 1949 Lourival Machado aproveitou a base deixada por Mário, Levy e Bastide para seus onze artigos publicados no jornal O Estado de São Paulo, que foram a primeira análise das relações políticas sociais da arte colonial com o absolutismo português, e estabelecendo a legitimidade da apresentação do Barroco mineiro como um exemplo representativo do Barroco brasileiro.
A atuação de Lourival Machado foi outro divisor de águas, e a partir dele o Barroco nacional deixou de ser tema de artigos para ocupar livros inteiros. Ele, mais Afrânio Coutinho e Otto Maria Carpeaux, escreveram nas décadas de 1940-1950 diversas obras sobre aspectos gerais e particulares do Barroco. Bastide deu outra contribuição importante em 1965 com seu livro Classique, Barroque et Rococo, editado na Europa, onde apresentou o Barroco brasileiro como um dos maiores monumentos do Barroco internacional e o Aleijadinho como sua principal expressão. Também merece crédito a atuação de Germain Bazin, que deu substancial aporte com seus dois livros A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil 1956-1958 e O Aleijadinho e a Escultura Barroca no Brasil 1963, que se tornaram canônicos, escritos na linha interpretativa oficial, sendo também colaborador de Franco de Andrade, o fundador do Iphan. Muito menos divulgados no Brasil, dois outros estrangeiros deram outras importantes contribuições para o estudo da arte colonial brasileira: Robert Chester Smith e John Bury. O primeiro foi o mais prolífico autor sobre o tema da arte colonial brasileira, publicando desde 1939 inúmeras obras. O segundo também escreveu muito, mas sua produção é ainda menos conhecida pelos brasileiros. Não obstante, o próprio Iphan reconheceu que eles deixaram vários ensaios valiosos, e que o conjunto da pesquisa desses estrangeiros definiu muito do que se passou a entender como o Barroco brasileiro.
O resultado desses esforços foi que na altura das décadas de 60-70 o Barroco brasileiro se tornara um tópico de grande interesse entre os pesquisadores nacionais e se tornara reconhecido além das fronteiras, um interesse que chegou a causar a perplexidade de Affonso Ávila, que escrevendo em 1969 se perguntava o porquê de tanta curiosidade e tanta paixão pelo assunto naquele momento.
Mesmo com toda essa atividade de pesquisa e crítica, na opinião de André Lemoine Neves "a quantidade de trabalhos desenvolvidos neste campo ainda está muito aquém da qualidade das obras e do esforço empreendido por aqueles que se aventuraram neste campo". Continuando, diz que
"Há que se considerar que a grande maioria dos trabalhos relativos ao assunto se prende ao 'barroco mineiro', o que gera lacunas importantes no estudo do surgimento e desenvolvimento do estilo em outras regiões do país, levando a uma visão parcial e por demais restrita sobre um estilo, por si só imerso em pluralidade e contradições".
Os críticos mais recentes já não trabalham na linha de uma apologia quase incondicional do Barroco brasileiro como fizeram as primeiras gerações de estudiosos, numa fase em que o estilo surgiu como elemento aglutinador em torno do qual se consolidou uma nova identidade nacional. Hoje já emergem visões mais abrangentes que procuram apontar também para seus aspectos mais contraditórios, a fim de se formar um panorama mais realista do que o fenômeno artístico-social do Barroco brasileiro de fato representou, e denunciam a continuada apropriação pelo Estado de processos culturais históricos com fins propagandísticos tendenciosos. Hansen diz que se ele
fundiu os modelos da cultura européia aos modelos africanos, indígenas e orientais, dando origem à figuração por vezes bastante original de valores locais,.... a mínima reconstituição histórica das práticas de representação desse tempo evidencia a fortíssima censura, o anti-semitismo, os estereótipos da limpeza de sangue, a desqualificação e a desonra do trabalho manual, a intolerância religiosa, a perseguição das idéias, etc. Evidencia também que.... a sociedade colonial vivia a História como uma figura providencialista de Deus, que participava nela como fundamento teológico-político da união da Igreja e Estado e regulação jurídica da escravidão".
Porém, em geral não se nega o enorme impacto que o Barroco exerceu na formação da cultura brasileira, nem se ignora o valioso legado artístico que ele deixou e que foi em parte declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO. Ao mesmo tempo, para muitos pesquisadores a herança barroca permanece viva no cotidiano do brasileiro, expressa de uma variedade de formas artísticas, sociais e folclóricas, definindo uma maneira de ser que se confunde com a própria noção de brasilidade. Como sintetizou Zuenir Ventura,
O Barroco não foi. Ele ainda é, continua presente em quase todas as manifestações da cultura brasileira, da arquitetura à pintura, da comida à moda, passando pelo futebol e pelo corpo feminino.... Barroca é a técnica de composição que Villa-Lobos usou para criar suas nove Bachianas. Barroco é o cinema de Glauber Rocha, é nossa exuberante natureza, é o futebol de Pelé e de todos os que, driblando a racionalidade burra dos técnicos, preferem a curva misteriosa de um chute ou o esplendor de uma finta. Afinal, o Barroco é o estilo em que, ao contrário do renascentista, as regras e a premeditação importam menos que a improvisação. Quer coisa mais barroca que o Guga
Conservação
A despeito do prestígio que conquistou desde o início do século XX, o Barroco brasileiro ainda precisa de maior valorização e proteção, e seu acervo vem sofrendo graves perdas. Os casos são inúmeros, algumas vezes fazendo desaparecer exemplares importantes, incluindo catedrais, como as igrejas de São Joaquim e São Pedro dos Clérigos no Rio; a antiga Sé, a igreja do Carmo, a de Nossa Senhora dos Remédios, a de São Pedro dos Clérigos e a igreja e mosteiro de São Bento em São Paulo, a igreja de Nossa Senhora da Barroquinha, em Salvador a antiga Catedral de Cuiabá a igreja do Corpo Santo, em Recife, e a antiga Matriz de Porto Alegre. A imprensa noticia ainda nos dias de hoje casos de destruição provocada ou degradação passiva de exemplares de arquitetura, estatuária, pintura ou talha.
Também há grande preocupação dos órgãos oficiais a respeito do furto e tráfico ilícito de bens culturais. No Brasil esses crimes incidem com mais frequência exatamente sobre a decoração de igrejas barrocas, e inúmeras já foram as que tiveram estatuária e prataria subtraídas por malfeitores. Como exemplo cite-se o caso de Minas Gerais, que em 2008 teve cem peças roubadas em diferentes locais, a maior parte exemplares de arte barroca. O Ministério Público mineiro afirmou que há uma grande quadrilha em ação, com conexões internacionais. Segundo o MP, 635 peças desapareceram das igrejas estaduais nas últimas décadas. A estimativa extra-oficial, no entanto, é que esse número seja dez vezes maior. A razão é simples: calcula-se que o comércio clandestino de bens culturais seja a terceira atividade mais lucrativa do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas e de armas, sendo a arte barroca altamente valorizada no mercado. Além disso, a segurança das igrejas, onde a maior parte do acervo é conservada, muitas vezes é precária, facilitando os saques. Outros casos dão conta de dispersão ou destruição de acervos sacros provocadas pela própria Igreja Católica.
Instâncias como o IPHAN procuram efetivar tombamentos e executar programas de proteção, o governo também investe em museus e restaura bens móveis e imóveis, a iniciativa privada e universidades também realizam projetos de pesquisa e restauro, mas os recursos muitas vezes são escassos e as medidas adotadas são insuficientes diante do volume do acervo arquitetônico e artístico que precisa de medidas de conservação e proteção urgentes. Considerando a grande proporção de obras sacras no acervo do Barroco brasileiro, muitas ainda em posse da Igreja, foi importante a publicação em 1992 pela Santa Sé da Carta circular 121/90/18 dirigida aos bispos e arcebispos de todo o mundo, onde se recomenda fortemente a dedicação de um cuidado especial ao patrimônio artístico da Igreja, rejeitando sua dispersão, os usos indevidos e a prática das reformas ou adulterações espúrias sem assessoria técnica competente - reconhecendo muito ter-se perdido por este motivo - e evitando entregar sua administração a pessoas sem conhecimento específico sobre arte e sobre a importância social desse legado, vendo na arte sacra um instrumento privilegiado para a Igreja cumprir sua missão espiritual e cultural.
Por outro lado, em boa parte ao Barroco, tão identificado com o Brasil, se deve o crescimento do setor do turismo cultural no país, e já se nota uma crescente conscientização da população sobre a importância artístico-cultural e o potencial de exploração econômica do legado Barroco, desde que mantido adequadamente. A conscientização também é incentivada pela abordagem do tema em escolas, como forma de se fortalecer o senso de cidadania e os laços sociais. Segundo o professor José Carlos Carreiro, da Universidade de São Paulo, "resgatar a memória é essencial para que um povo se perceba como sujeito de sua própria história. Para evoluir, o homem precisa conhecer suas raízes". Esse fatores conjugados podem oferecer uma perspectiva de melhor preservação do patrimônio sobrevivente para o futuro.
FONTE WIKIPÉDIA