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João de Castro
D. João de Castro foi um nobre, cartógrafo e administrador colonial português. Foi governador e capitão general, 13.º governador e 4.º vice-Rei do Estado Português da Índia.
Biografia
Primeiros anos
Secretário da Casa do Rei D. Manuel I de Portugal, era filho de D. Álvaro de Castro, senhor do Paul de Boquilobo, governador da Casa do Cível e vedor da fazenda de João II de Portugal e de Manuel I de Portugal; e de D. Leonor de Noronha, filha do 2.º conde de Abrantes, D. João de Almeida, e de D. Inês de Noronha.
Foi discípulo de Pedro Nunes e condiscípulo do Infante D. Luís. Aprendeu Letras por vontade do pai, mas "...como por inclinação era muito afeiçoado às armas, aspirando por elas à glória, a que o exemplo de seus maiores o chamava", enveredou pela carreira militar. Embarcou aos 18 anos para Tânger, onde serviu durante nove anos sendo governador daquela praça D. Duarte de Meneses, e onde foi ordenado cavaleiro. D. Duarte escreveu a D. João III, recomendando João de Castro particularmente, dizendo que ele tinha servido de maneira que nenhum posto já lhe tivera servido.
De volta ao reino, conservou-se por algum tempo na Corte. Desposou sua prima, D. Leonor Coutinho, filha de Leonel Coutinho, fidalgo da casa de Marialva, e de D. Mécia de Azevedo, filha de Rui Gomes de Azevedo.
Quando o soberano armou a expedição a Túnis em auxílio a Carlos V 1535, D. João acompanhou o infante D. Luís, distinguindo-se de tal modo que, com a vitória, Carlos V quis armá-lo cavaleiro, "honra a que se escusou, por já o haver sido por outras mãos, que o que lhes faltava de reais, tinham de valorosas". O imperador mandou entregar 2.000 cruzados a cada um dos capitães da armada, "o que o D. João de Castro também rejeitou, porque servia com maior ambição da glória, que do prémio".
Em seu retorno, foi recebido por D. João III com grandes provas de consideração. Este, por carta de 31 de janeiro de 1538, concedeu-lhe a comenda de São Paulo de Salvaterra na Ordem de Cristo, a qual aceitou pela honra, e não por conveniência, pois era tão pequeno o rendimento dela que não bastava para as suas despesas, sendo contudo a primeira e única mercê que recebeu. Professou a 6 de Março de 1538, conforme a lista dos cavaleiros daquela Ordem. Retirou-se então para a sua casa na serra de Sintra, desejando viver só, entregue aos cuidados da família e aos trabalhos agrícolas.
A Índia
Passou pela primeira vez à Índia Portuguesa como simples soldado, com seu cunhado D. Garcia de Noronha, nomeado vice-rei, indo render D. Nuno da Cunha, e que muito estimou levá-lo na armada "não só com os méritos de sucessor", segundo diz Jacinto Freire de Andrade, mas com a mercê de lhe suceder no governo, que lhe foi concedida por alvará de 28 de Março de 1538. Embarcou com seu filho D. Álvaro de Castro, que apenas contava 13 anos, dando por distrações daquela idade os perigos do mar.
A armada de D. Garcia de Noronha chegou a Goa com próspera viagem, e achou o governador D. Nuno da Cunha com a armada pronta a socorrer Diu, e pelejar contra as galés turcas, que o tinham sitiado no cerco, que defendeu António da Silveira. D. Garcia de Noronha, com a posse do governo, tomou a obrigação de socorrer a praça, "para o que se lhe ofereceu D. João de Castro, que embarcou no primeiro navio como soldado aventureiro, parecendo já pressentir os futuros triunfos que o chamavam a Diu; porém a retirada dos turcos privou D. Garcia da vitória, ou lha quis dar sem sangue, se menos gloriosa, mais segura."
Falecendo D. Garcia, sucedeu-lhe no governo D. Estêvão da Gama, e D. João de Castro achou-se com ele na expedição ao Mar Roxo. D. Estêvão partiu com 12 navios de alto bordo e 60 embarcações de remo, a 31 de Dezembro de 1540, sendo D. João de Castro o capitão dum galeão. Esta viagem até Suez foi deveras notável, e D. João fez dela um roteiro minucioso, que ofereceu ao infante D. Luís. Oito meses depois recolheu a Goa, em 21 de Agosto, tendo adquirido pelas experiências que fizera durante a viagem, o nome de filósofo.
Regressando a Portugal, foi nomeado general da armada da costa em 1543, em prémio dos serviços. Saiu logo para comboiar as naus, que de viagem se esperavam da Índia, contra os corsários que infestavam os mares. Conseguiu desbaratar sete naus dos corsários, e entrou com as da Índia pela barra de Lisboa, sendo recebido com o maior entusiasmo. D. João de Castro estava em Sintra quando o rei, perseguido por altos empenhos ao tratar-se de escolher o sucessor de Martim Afonso de Sousa, 13.º governador da Índia, consultou, irresoluto, o seu irmão o infante D. Luís, o qual lhe aconselhou a nomeação de D. João de Castro. Aceitou o rei o conselho, e mandou chamá-lo à Corte em Évora, e com palavras lisonjeiras o nomeou, por provisão datada de 28 de Fevereiro de 1545. D. João aceitou, beijando a mão do monarca reconhecido pela honra, que não solicitara.
Levou consigo para a Índia os seus dois filhos D. Álvaro e D. Fernando. Aprestou brevemente a armada, que constava de 6 naus grandes, em que se embarcaram 2.000 homens de soldo; a capitânia S. Tomé, em que o governador ia, que lhe deu este nome, por ser o do apóstolo da Índia, sendo os outros capitães D. Jerónimo de Meneses, filho e herdeiro de D. Henrique, irmão do marquês de Vila Real, Jorge Cabral, D. Manuel da Silveira, Simão de Andrade e Diogo Rebelo. A armada partiu a 24 de março de 1515. D. João recebera a mercê da carta de conselho com data de 7 de Janeiro de 1515 e fizera o seu testamento a 19 de março, deixando testamenteiros Lucas Geraldes, D. Leonor, sua mulher, e D. Álvaro, seu filho; instituiu o morgado na quinta da Fonte D'El-Rei, em Sintra, denominada da Penha Verde.
A armada chegou a Goa em Setembro. Lançado nos complicadíssimos negócios da administração da Índia, teve de pegar em armas contra o Hidalcão, por lhe não querer entregar o prisioneiro Meale, como seu antecessor estava resolvido a fazer. Hidalcão foi derrotado a duas léguas da cidade de Goa, e viu-se obrigado a pedir a paz. Acabado o incidente, 1546 trouxe outro deveras gravíssimo, a guerra de Diu, promovida por Coge Çofar, que pretendia vingar a derrota sofrida. Travou-se ardente luta, e no fim de sangrentos episódios, foram derrotados os portugueses. D. João de Castro mandou novo reforço, e, não contente com isso, organizou nova expedição que ele próprio comandou. Desta vez ficaram vitoriosas as tropas portuguesas; o inimigo teve de levantar o cerco e fugiu, deixando prisioneiros e artilharia. Para reedificar a Fortaleza de Diu, que depois da vitória ficara derribada até ao cimento, D. João escreveu aos vereadores da Câmara de Goa, a fim de obter um empréstimo de 20.000 pardaus para as obras da reedificação, a célebre carta, datada de 23 de Novembro de 1546, em que ele dizia, que mandara desenterrar seu filho D. Fernando, que os mouros mataram nesta fortaleza, para empenhar os seus ossos, mas que o cadáver fora achado de tal maneira que não se pudera tirar da terra; pelo que, o único penhor que lhe restava, eram as suas próprias barbas, que lhe mandava por Diogo Rodrigues de Azevedo; porque todos sabiam, que não possuía ouro nem prata, nem móvel, nem coisa alguma de raiz, por onde pudesse segurar as suas fazendas, e só uma verdade seca e breve que Nosso Senhor lhe dera. É heróico este ato. Tanta era a consciência da própria honra que empenhava os ossos do filho, depois as barbas, ao pagamento duma soma que pedia para o serviço do rei, e não para si. 0 povo de Goa respondeu a esta carta com quantia muito superior à que fora pedida, vendo que tinham um governador tão humilde para os rogar, e tão grande para os defender. Remeteram-lhe aquele honrado penhor, acompanhado do dinheiro e duma carta muito respeitosa solicitando por mercê que aceitasse aquela importância, que a cidade de Goa e seu povo emprestavam da sua boa e livre vontade, como leais vassalos do rei. A carta tem a data de 27 de dezembro de 1547.
Vice-Rei e anos finais
Depois da vitória de Diu, não pôde D. João descansar. Teve novamente de combater Hidalcão, que derrotou, tomando Bardez e Salsete. Dirigiu-se para Diu, mas havendo só a notícia do socorro que levava, assustado o inimigo fugiu, voltou a Goa, onde se viu obrigado a repelir ainda o Hidalcão, destruindo-lhe os portos. Havendo chegado a Lisboa a fama das suas proezas no Oriente, o rei quis recompensá-lo, enviando-lhe o título de vice-rei, em carta de 13 de outubro de 1547, prorrogando-lhe o governo por mais três anos, dando-lhe uma ajuda de custo de 10.000 cruzados, e concedendo ao seu filho D. Álvaro o posto de capitão-mor do mar da Índia. As mercês chegaram tarde para que o novo vice-rei as pudesse gozar. Cansado pelos trabalhos das contínuas guerras, adoeceu gravemente, e reconhecendo em poucos dias indícios de ser mortal a doença, quis livrar-se do encargo do governo. Chamou o bispo D. João de Albuquerque, D. Diogo de Almeida Freire, o Dr. Francisco Toscano, chanceler-mor do Estado, Sebastião Lopes Lobato, ouvidor geral, e Rodrigo Gonçalves Caminha, vedor da Fazenda, e entregando-lhes o Estado com a paz dos príncipes vizinhos assegurado sobre tantas vitórias, mandou vir à sua presença o governador popular da cidade, o vigário Geral da Índia, o guardião de São Francisco, Frei Antônio do Casal, São Francisco Xavier e os oficiais da Fazenda do rei. Dirigiu-lhes então as seguintes palavras:
- "Não terei, senhores, pejo de vos dizer, que ao vice-rei da Índia faltam nesta doença as comodidades que acha nos hospitais o mais pobre soldado. Vim a servir, não vim a comerciar ao Oriente; a vós mesmo quis empenhar os ossos de meu filho, e empenhei os cabelos da barba, porque para vos assegurar, não tinha outras tapeçarias nem baixelas. Hoje não houve nesta casa dinheiro, com que se me comprasse uma galinha; porque nas armadas que fiz, primeiro comiam os soldados os salários do governador, que os soldos de seu rei; e não é de espantar; que esteja pobre um pai de tantos filhos. Peço-vos, que enquanto durar esta doença me ordeneis da fazenda real uma honesta despesa, e pessoa por vós determinada, que com modesta taxa me alimente."
A disputa pela relíquia das barbas
Expirou nos braços de S. Francisco Xavier. Foi sepultado na capela-mor do convento hoje de São Francisco, com o hábito e insígnias de cavaleiro da Ordem de Cristo. Em 1576 foram os restos mortais trasladados para o convento de São Domingos, de Lisboa, e depois de celebradas pomposas exéquias, transportaram-se para o claustro do convento de São Domingos de Benfica, para a capela particular dos Castros, fundada por seu neto, o inquisidor geral e bispo da Guarda D. Francisco de Castro. Os cabelos das barbas do grande vice-rei da Índia estavam em poder do referido bispo da Guarda que os recolheu numa urna, ou pirâmide de cristal, assentada numa base de prata, na qual estão gravados em torno dísticos diferentes, que fazem de acção tão ilustre engenhosa memória, ficando aos sucessores de sua casa este honrado depósito, como para tornar hereditárias as virtudes de D. João de Castro.
A trineta do vice-rei, D. Mariana de Noronha e Castro, era a possuidora do memorável depósito, e quando faleceu deixou em testamento aos frades de São Caetano, do convento onde hoje está estabelecido o Real Conservatório, um legado que compreendia a urna que recolhia as venerandas barbas, com a declaração: "Quero e ordeno que os bigodes de meu trisavô, D. João de Castro, vice-rei da Índia, os tenham sempre os religiosos teatinos da Divina Providência, em lugar decente de sua sacristia, com o mesmo ornato de prata e caixa, em que lhos deixo, sem o poderem mudar, ou desfazer-se dele."
Os frades colocaram a relíquia em um nicho na sacristia, coberto com um painel representando D. João de Castro. 0 herdeiro do morgado instituído pelo vice-Rei, e de que fora administradora D. Mariana, pôs demanda aos padres, contestando o legado, e alegando que as barbas de D. João eram pertença do mesmo morgado, porque as vinculara D. Francisco de Castro, Bispo da Guarda, neto do instituidor. Os frades alegavam que as barbas não eram vinculadas, e que D. Francisco não podia dispor do que não era seu; que somente mandara fazer um ornato de prata e uma caixa de veludo para as guardar com mais decência, e que fora esse ornato que ele vinculara, como constava precisamente da verba do seu testamento, não dispondo das barbas de seu avô, assim como não dispusera seu irmão mais velho, D. Manuel, senhor da casa, e por estes motivos a comunidade não se julgava obrigada a restitui-las. Não chegou a haver sentença no pleito, mas, sem que se conheça a razão, diz Tomás Caetano do Bem que em 1792 se achavam as disputadas barbas em poder de António Saldanha Castro Albuquerque Vilafria, senhor da casa de D. João de Castro.
O Magnetismo Terrestre no Roteiro de Lisboa a Goa: as experiências de D. João de Castro
Os antigos Gregos haviam descoberto que uma pedra metálica escura podia repelir ou atrair objectos de ferro - era a origem do estudo do magnetismo. Na época das grandes navegações, não se conseguia localizar um navio no mar pelas duas coordenadas, a latitude e a longitude; a determinação desta exigia um relógio a bordo que indicasse a hora exacta no meridiano de referência, e a determinação astronómica da longitude dava erros inaceitáveis. Durante a viagem até à Índia, D. João de Castro levou a cabo um conjunto de experiências que conseguiu detectar fenómenos, nomeadamente relacionados com o magnetismo e com as agulhas magnéticas a bordo. É de supor que devia esses conhecimentos a Pedro Nunes, naturalmente o directo inspirador de todas as observações que realizou nas suas viagens. Quando em 5 de Agosto de 1538, D. João de Castro decidiu determinar a latitude de Moçambique, encontrou a causa que ditava o «espantoso desconcerto» das agulhas: notou o desvio da agulha, descobrindo-o 128 anos antes de Guillaume Dennis 1666, de Nieppe, o qual é registado na História da Navegação como se fosse o primeiro a conhecer esse fenómeno. A sua observação nas proximidades de Baçaim, em 22 de Dezembro de 1538, de um fenómeno magnético, pelo qual se verificavam variações da agulha devido à proximidade de certos rochedos, confirmadas quatro séculos mais tarde, foi denominado atracção local. D. João de Castro refutou a teoria de que a variação da declinação magnética não se fazia por meridianos geográficos. As suas observações são o mais importante registo de valores da declinação magnética no Atlântico e no Índico, no século XVI, e úteis para o estudo do magnetismo terrestre. Foi uma das personalidades da ciência experimental europeia desse século, relacionando a importância desse estudo com as navegações. O seu nome ficou ligado à ciência pelas suas obras que evidenciavam uma tendência para o moderno espírito científico.
FONTE WIKIPÉDIA